AGOSTO 2010

cafésolo

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

«RESET»



Tão de repente passou o ano.
Hoje é quase um tudo ou nada,
uma espécie de «reset» ainda que
imaginado apenas e só em nós,

mais veloz que todo o vasto sal
de emoções azuis
que se nos atravessaram.
Seguimos crescendo
em torno dos meses
mais quentes e frios,

observamos o tanto ou nada
que nos rodeia mas que tanto
nos parece suplicar, existir em nós.
Fazemos um género de balancete,

tomamos como criveis
as nossas forças e desejos,
seguimos, vamos até ao fundo,
ao limite do que julgamos ser.
Aí encontramos talvez
a verdadeira razão ao acaso
do nosso existir.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

AMANHÃ



Encontrava-me com eles a cada manhã,
de quando em vez ou sempre
que me chamavam desde a rua.
Os dias pareciam cópias uns dos outros
uma espécie de condição parvamente
«alcalóide» minha.
As réstias da cinza que considerava perdidas
por entre os nicotínicos cinzeiros
estavam espalhadas afinal
pelos quatro cantos casa.
Conseguia observa-las
desde os seus pequenos voos perceptíveis
apenas de encontro à luz
de uma outra estranha amizade
que inexplicavelmente me envolvia.
Eu sabia que amanhã cedo
haveria de voltar a ir ao encontro
do lado de fora da casa.
Voltar à rua onde tudo acontecia de rompante
e passava a direito todo o resto quimérico daqui.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL & BOM ANO NOVO!



Natal é:
família, calor, lareira, saúde, paz, abraços
e beijos, gritos felizes e olhares radiantes das crianças,
enquanto rasgam freneticamente os papeis
que esconderam seus presentes

em tamanhos dias ansiados...

Quero desejar a todos os meus "seguidores",

leitores e amigos, um Feliz Natal
e um excelente ano de 2010,
junto daqueles que mais amam.

Até breve.


quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

VÉU NEGRO



Envolta num longo véu negro,
trás aquela mulher
seus desejos expressos
numa face que quase parece
sorrir, aberta ao mundo.
Desfaz-se depois num pranto a sós,
dominada pelas suas angústias e medos.
Transporta consigo a cruz
duma expressão crua,
que se perpetuada
em seus secretos anseios;
só a outra mão vinda
de fora da fotografia
poderá resgatá-la,
trazê-la de volta ao caminho,
do seu próprio aconchego.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

«AXIOMA DAS FOLHAS»



O sentido era agora positivamente claro e, o mais
simples possível, disposto diante dos meus olhos:
seguir os sinais de uma espécie de chamamento
que parecia óbvio, onde tudo se inclinava afinal,

para seguir um emaranhado de diligências
deste mesmo caminho; pude lê-lo nos sinais
emanados pelo orvalho das folhas caídas,
entre as pedras da calçada levemente molhada

pela ténue passagem da chuva; pude vê-lo
no baço cinza de certa gente que por mim
se cruzava sem rosto. Nada mais me prendia ali,
dava-me conta duma espécie de reacção obrigatória

para soltar as amarras desse olhar distante.
Tudo se preparava afinal, para que o princípio
metamorfósico algures iniciado se materializasse
depois no poema. Neste «axioma das folhas»

tão intuitivo afinal, que desejo cumprir
integral, sem palpites ou rodeios.

domingo, 20 de dezembro de 2009

DEZEMBRO



Naquela caixa escondida no pó
de uma divisão desvestida,
guardava os seus segredos,
seu vacilo de múltiplas aventuras,

misturadas com vaidades e medos,
de uma vida longa mas só.
Sob um frio branco de Dezembro,
ali se deixou tocar pelo calor
que respirava entre os dedos.

Abriu-se depois alva como as réstias
dum gelo doutras eras, desembargando
devagar. Tornou-se mais clara que os fios
de água que fluíram per si abundantes.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

ESSA HISTÓRIA



Queria escrever essa história
das motivações diferentes,
das oportunidades diferentes
e perdidas em gestões diferentes.
A vida, como que encarada
nessa mesma história,
aquela em que cada um vai
ou pode ir escrevendo,
em cada dia,
em cada momento vivo.
Essa história poderia então
olhar-te no rosto,
desde o cimo
da sua própria astúcia,
mesmo que fosse
a mais ordinária
de todas as histórias
e não tivesse
ponta por onde se esvair,
por onde respirar.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O SABOR DO SANGUE


(foto by: jose dionisio ruivo neca)

Há ruídos estranhos no prédio, o vento da janela
dos cigarros corta como pequenas lâminas frias,
rasantes a uma barba de 3 dias. Ocorre-te,
simplesmente que o inverno não tarda,
assim como a ceia em reunião de família,

que se promove habitualmente num propicio Dezembro
(e assim é, desde o tempo em que te lembras de ser.
Há uma pedra pequena [mais pequena do que uma brita,
que resvala de um asfalto novo «a estrear»] que saltitou
umas três vezes nas minhas costas, lá atrás, na janela
____________________________[aberta dos cigarros.

Continuam a ouvir-se uma espécie de batuque,
provavelmente misturado entre paus e estendais soltos no prédio,
embrulhados em sombras e sons frios, como o vento de Macedo).
Recordo o quanto me faz falta esse velho e conhecido frio
________________________________________[de Macedo,
como o simples pisar daquelas ruas ou o mero tropeçar
nas sombras, de uma casa que sempre nos acolhe.

O inverno respira ali, há lareira e outros engenhos
mecânicos que sopram lume, digo: calor.
O calor que encontro nos pedaços do meu sangue,
que são um velho e simultâneo doce sabor,
um melancólico sangue, como um cálice
de porto velho caseiro saboreado
em cada volver genuíno a casa.

Depois, regressas a ti e à tua vida
que volta num poema
que agora se cinge
ao seu próprio remir,
em troca de presentes e sorrisos,
_________________esperados.

domingo, 13 de dezembro de 2009

IMEDIATO INSTANTE



O futuro existe e respira em nós,
no imediato instante alcançado
agora, no exacto momento
que atravessamos ligeiro «quiçá»

casual, aleatório mas imediato,
transformado no instante, no rasto
de fumo e fogo, antes espesso
mas que agora definha no tempo

particípio passado. Foge desnudado
ao lobrigo dos olhos, que rasgam
adiante, numa busca repentina
dessa história, que se vê tatuada
________________________[em nós,

ou mais simples ainda, que se entrega
às mãos de um esquecimento vil
e se arrasta no tempo que tomba
a cada recomeço inscrito em cada
_______________________ [imediato instante.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

OUTROS OLHOS



Tantas palavras ficam presas por entre os dedos
e se arrastam connosco quase penosamente,
durante décadas, para mais tarde emergirem
como objectos plásticos mergulhados em nós.

Erguem-se envoltas duma ânsia e desejos
dominando as réstias de uma ténue sombra
automática descrita num vício de inflexões verbais.
É certo, não há milagres nem magias negras

que possam tombar tamanha força,
não há tempo nem focagens desatentas
para os desvios ou desatenções
desaproveitas que de nós não nascem.

Centramo-nos portanto por dentro e,
desde o interior do peito, visionamos essas
marionetas envoltas nessas cortinas de fumo,
de uma conjugação de esforços que teima

em desajustar um todo complexo
centro nevrálgico de palpitações.
«Também já fui desse tempo»,
um tempo em que os outros tiveram

oportunidades de (tentar) “zelar” pelos
meus interesses, angústias, ambições
e até pelos meus desaires. Sim, sei hoje
chegaram sempre tarde, tão tarde que,

hoje mesmo digo:
«não me permito subjugar
nas limitações
dos vossos olhos.»

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

BLOCO DE NOTAS



Às vezes é assim:

Repouso occipital sobre almofadas,
a cama apresenta-se fria
ainda mais, estranhamente,
sob o cotovelo esquerdo,

às escuras acho o marcador do livro
completo, em instantes precedentes.
O meu bloco de notas (Finlandês),
ilumina algumas palavras que jubilam

por serem escolhidas, é tarde,
a noite molhada acompanha o vento
que canta e empertiga as persianas
[fatigadas por empurrões e abanões,

e eu, relato e repito gestos
de quem sabe que é tarde,
desligo o bloco e acomodo-me
para dormir ___ até acordar.

sábado, 5 de dezembro de 2009

VOLTA



Ouro bandido
despertar do sal
e desespero das pálpebras
lençol que trava o ímpeto
das lágrimas escondidas
e uma luz
que se ata noutras
centelhas idas.
Morde-te o desejo
o quadro ainda quente
que bafeja em ti
diante de um cobertor só
respira agonizante
o amargo da boca
por palavras despidas no medo
na volta das virgulas
[mais pausadas
como o espelho-de-Vénus
simboliza
o teu género
___________feminino.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

DADOS NO ACASO



Ataquei a raiz do medo, essa mesma
que antes me sepultava, paralisava
como um sopro brando imperceptível
de um carbónico ar, que se perpetrava
numa decomposição lenta
mas sofrida pelos meus anseios.

As horas, madrugadas a fio,
valiam tanto como as sombras
dos meus dedos ecoadas no teu rosto.
Sabiam o caminho a percorrer,
porque era o instinto quem ditava o rasto
dum gosto, que não se apagava instantâneo.

Combinávamos olhares, como se as décadas
simbióticas existissem, como se a álgebra
deixasse de ser um mero raciocínio puro
e passa-se a ser uma qualquer fila de supermercado
sem gente, uma praia sem mar nem a areia salgada
[pelas ondas.

Ataquei sem medos
a espessura do juízo,
a falácia errante da mente,
o grito ofegante do erro,
e escolhi o instinto dos dados
lançados no acaso.

sábado, 28 de novembro de 2009

PAPEL



Papeis recortados
pequenos pedaços de papel persistiam
existir sem textura visível, perceptível,
palpável, numa extrema sensibilidade
dos dedos agora entremeados [molhados em ti.

Percebi também que o meu papel
o meu desejo de ti,
o teu cheiro que percorri até às entranhas
renascia a cada manhã,
em cada exalação compreendida, prolongada.

O tempo projectava-se em seu papel fulcral e nós,
sem que déssemos conta (ou fingindo simplesmente
não lhe dar importância) seguimos imbuídos
em nossos papéis, ignorando simplesmente
os outros papéis cobertos de entrevo.

Apenas o nós, o nosso papel, fazia sentido.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

REGRESSO



As quietudes na casa relembram-me outras
cores, outras músicas de outras noites,
que sempre regressam, após cada dia azul
tornado noite deslustrada, dum inevitável vinil
________________________________ [ vazio.

Regressas a ti, sempre que as sinapses
se imprimem e vigoram como o sangue
que corre por entre vestígios memoriais,
[com que vais mantendo a tua respiração

uma espécie de caderneta ou livro branco
onde inscreves aquilo que és a cada momento
a cada segundo que passa. Naquela loja
do campo pequeno, sabias que o silêncio

era um mero episódio,
igual a tantos outros repetidos,
em imensos e difusos anos,
manchados pela tua inércia.

Havia poemas ansiosos
para emergir do nada,
como se precisassem do oxigénio que respiras
[como se dependessem apenas de ti.

Depois regressamos, exaustos mas fortalecidos,
por entre conversas que despontavam como cravos
de Abril. Sabíamos que voltaríamos a escrever,
a rebuscar as palavras certas,

a reencontrar esse refúgio silencioso,
como se fosse ele o único companheiro
dessas mesmas quietudes tão cúmplices
dum mesmo regresso a casa.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

AMNÉSIA



Sinto vontade de dizer,
mas calo acordado
nas desoras que voam
e me trespassam.
Sinto um querer
que me baralha
e avança
destemido
numa solidez
que me fortalece
e derruba
em simultâneo.
Sinto que me esqueço
também desse mundo
que me encara
e julga
confrontando-se
em mim,
numa luta irreflexa
sem ringue ou tapete.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

AMOR



Quando os vocábulos não bastam,
que dizer? Não dizer nada?
Dizer tudo de uma vez?
Deixar simplesmente que um abalo
sísmico tome conta de nós?

O que sobraria de um nada se eu
nada te dissesse e, que transpiraria
na sombra de um todo, se tudo te contasse?
Se dirigiste a robustez do meu olhar
em partes contíguas
acidentalmente separadas,

existem prescrições para o Amor?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

AMANHÃ, PORVENTURA



Sentia as palavras de outrora frágeis como
que presas por fios que fui desmontando,
estourando um a um, esmigalhados por um tempo exacto,
num texto exacto que me invadia a mente.

De toda a chuva se fez sol e, de todo o sol
nasceu aquela água desejada, onde nos passeamos
tantas vezes, sem que a palavra destino
ou sequer parte incerta, fosse a certeza

que nos lavava o rosto.
Nos resquícios desse tempo
que ainda nos faltava viver,
do nosso mais puro desejo

às saudades que pareciam mágicas (no meio
de uma tempestade marcada em palavras
chamadas espera), fomos crescendo e juntando
peça a peça todos os pedaços do nosso todo.

Todo um posfácio desse texto,
dessas palavras contidas, ficarão por escrever,
por viver noutro dia,
amanhã, porventura.

sábado, 14 de novembro de 2009

MUNDO DE FOTOGRAFIAS



A vida era uma caixa fechada,
entorpecida até, outras vezes
corria fugaz repleta d’ocorrências,
e eu, observava todas as movimentações
que pairassem diante dos meus olhos,
muitas vezes até as próprias sombras

dos pássaros contra as nuvens.
Depois existiram dias repetidos
de uma mesma colecção
[dum inverno fora de estação
onde eu habitava alheio à minha morada,
que pretendia escondida, na minha sombra.

As fotografias que me restam
são escassas, definham agora diante
sépia esbatida, que morre na sombra
de outros fotogramas intensos, coloridos.
Morre agora também esse medo maldito
do nada ter e nada ser, porque afinal

o meu ser
___________também se partilha.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

IMUTABILIDADE



Conseguias ver a luz daquela esférica noite
perfeita, reflectida na janela do escritório
pela lua cheia. Os sonhos que tinhas acordada
fluíam-te depressa até à extrema do nada,

onde as coisas deixavam de ser quem eram.
Quando regressavam do vazio, deixavas simplesmente
que poisassem sobre os ramos nus das árvores
em frente à janela. Os dias estavam frios,

não se viam indícios de vida, de movimento.
Esperavas tranquilamente braços poisados
na secretária, como se toda a imobilidade
presente fosse orquestrada pelos teus dedos

[diante dos teus olhos

a imutabilidade não te inundava por certo,
antes te agitava aquela espécie de isolamento.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

«ARRIVALS»



A meio da manhã, teu regresso nosso abraço,
chove lá fora, os sons param, a imagem lustra
e tu, trazes um brilho expresso que irradia
e se mistura entre a confusão instalada dos «arrivals».

Saímos em direcção a nada, encontramos
junto a nós o tanto que procurávamos e,
com os olhos à face da estrada, seguimos
em direcção à linha do horizonte que

atravessamos instantâneo. As horas deixaram
de ser horas, a maresia devolve-nos espaçados
odores e outros cheiros que trocamos sem que
déssemos conta, estávamos apenas entregues a nós

naquela tarde, apostávamos tudo em cada ronda,
numa espécie de jogo onde nada tínhamos a perder.
Apenas o teu rosto se mantinha igual ao das fotografias,
tudo o resto eram meras fotocópias, de um local sobejamente

desconhecido.
______________E nós?

domingo, 8 de novembro de 2009

NATUREZA HUMANA, A TUA



Coleccionas os pedaços estilhaçados
daquilo que te vai soçobrando, mas dessas
fagulhas imensas tens a peneirar outros
movimentos, outros gestos que não

dependem apenas de ti. Igual garimpeiro
de Ouro Preto, que procura sustento
não no material ouro reluzente,
mas na essência da sua necessidade

pró-humana de resistir, sobreviver.
Deste-te conta desse emaranhado escrito
que vens registando e, julgas saber, ter
ou possuir as fórmulas dessa alquimia

predestinada, enquanto tentas decifrar
a cada instante a tua composição e a sorte
de uma receita que te cabe.
Sabes, a tua luta é na verdade a tua própria

descoberta, a desmistificação fantasmagórica
daquilo que imaginas ser e talvez não sejas.
A tua luta, é tão feroz como a aflição felina,
de umas garras ameaçadas, num cenário

mergulhado em palavras, no risco tóxico,
impregnado & semântico de um léxico
tão comum (afinal) da tua:
____________natureza humana.

sábado, 7 de novembro de 2009

RARAS ESPÉCIES


foto de: Magda Rosa

Eu, era o único estranho na sala, não se podia fumar,
mal consegui escapar aos abundantes tiques
que me trucidavam no tambor do peito,

mordiam-me os lábios secos, como se os beijos
caíssem roubados, sem sumo, tu continuavas a ser tu,
distribuías conversas como se estivesses no auge de um

bluff na tua mesa de poker, as pessoas olhavam-me,
eu podia sentir aquele palmilhar que me percorria como
humidade entranhada nas paredes finas e frias da consciência.

Era tarde por fim, a música deixou de entrar equilibrada
e nós, saímos juntos mas separados em razões,
oh como éramos jovens nessa altura, de um tempo

em que as faces se rosavam por tudo e por nada, quando
por nada sentíamos um ténue mundo desabar debaixo dos pés,
por entre palavras aguçadas, de um fervor destemperado,

onde o ângulo oblíquo traçado era o ciúme de quem não amava,
mas antes, julgava fechar algo seu, nas sete chaves de um peito
inexperiente, reconhecendo tarde a derrota naquelas batalha

perdida desde o ínicio. Percebi porém, o quanto cresci naquela
sala e, daquela noite percebi também algo que julgo saber hoje:
existem exactos momentos para explorarmos o amor,

distingo-os agora: esse amor «de sofá de trazer por casa»
(que se vive na altura certa) do outro amor,
mais espesso, verdadeiro, raro, dispendioso e matreiro,

que se cultiva como o mais laborioso horto, repleto das mais
raras cores e espécies, que murcham, ao sabor das estações,
às mãos dos mais desatentos e desiquilibrados jardineiros.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

FEITIOS & BOTÕES



se me lembro? mas é obvio que sim:
- desfia-me! respondi-te eu naquele
tom desabridamente afirmativo

tu encolheste os ombros e esboçaste
aquele sorriso típico de quem iria anuir
passaram-se meses, anos, décadas?

talvez
eu continuei igual a mim mesmo,
teimoso, ríspido, fugaz, melindroso?

no fundo, ia tapando com a manta
as fragilidades que foste destapando,
pouco a pouco

depois, ecoaram
[tantas vezes
na minha cabeça
aquelas conversas tidas
[horas a fio
sem que produzíssemos
[sumo algum

só agora comprei um
espremedor plástico
que ainda tenho
[por estrear

- não mudas nunca!
[sussurrarás tu com os teus botões.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

NOVEMBRO ARREFECIDO



Ela, vestia o corpo nu numa camisa
masculina, desabotoada como se
fosse um robe, percorria os armários
descalços de uma cozinha desconhecida.

Ele, acordou no estridente ranger
metálico dos tachos, tornou imediata
a prossecução do código sosssego
num ideário decido entre pantufas.

Nela, sobressaía um sorriso, julgando
a sorte indagada tantas vezes; nele,
a enorme vontade terminal da variável:
impasse. Cruzou-se o sorriso com a

sisudez desgrenhada da manhã, ainda
permeada numa barba a desfazer.
O choque enérgico evidente alimentou
as lâminas cortantes do ar atmosférico

de um Novembro arrefecido.
Ela vestiu-se à pressa e bateu seca a porta,
ele sentiu o consolo aliviado num chuveiro
improvisado. Estudou, reviu o filme e saiu
com seu resoluto & monocórdico ego.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ESPLANADA



Esplanada oceânica, léxico e língua,
código hieróglifo de ocasião.
Ele não entende, prefere arfar
e decidir-se no: «menu à la carte».
Depois, apaga um cigarro
raso à beata
e tu
travas plangência & prevês
pra mais logo o cloreto
no sódio das lágrimas.
Mas não, não desejas que se note,
«not now», não desta vez,
preferes ranger a ruir,
o tudo ou o pouco que te resta.
Em dignidade
_________________preferes:
um leve pastel e chá verde.
Respiras;
olhas em volta sem observar,
recostas-te no vime seco
_________________[da esplanada
desabafas em tabaco,
concluis desligar emissão.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

RETRATOS ANTIGOS



Na cómoda mais antiga, do quarto dos
fundos na casa da avó, sustinham-se
retratos de certas existências antigas.
O avô, com seus óculos extra graduados,
era uma das minhas imagens de culto,
exibia uma pose pacata, transmitia-me
a quietude, que nunca cheguei a entender.

Gostava de contemplar por alguns minutos
o nu preto e branco daquelas fotografias,
exibiam-se em acertados contrastes de luz,
centrados em pormenores de existências idas,
despojadas de vida. Havia depois outras fotos,
"modernas" onde se tornavam patentes os primeiros
passos dados, pequenas pigmentações de rebuliço

e cor nos retratos. A avó com uns curiosos óculos
verdes «fotogray», mais um neto ao colo, os primos
de Vila Real mais o tio [com um inédito bigode],
perfeitamente perfilados nas escadas defronte e,
meus irmãos apanhados em repentinas poses.
Curiosamente, não me recordo ver nesses velhos
passepartout’s” com retratos antigos. Talvez por
não prestar à data, a verdadeira atenção à minha

própria existência

quem sabe
seja ainda tenra
esta minha memória ------------existencial.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

RESERVA & (IM)PROPRIEDADE



Reservo-me ao direito do não protesto,
pelas saudades de outros domingos assim,
numa reserva de silêncio, sem bucolismos,
antes um ode à cessação de ruídos vividos,
horas imediatas, numa paisagem «lounge»

bar, noctívaga, citadina [quando a noite
acaba em dia e tudo por fim se tolera].
Chovia-me no corpo mas não me molhava
verdadeiramente aquela água de S. Bento,
aparcava-se antes na mais pura certeza dessa

impropriedade de consumo. Depois, reservei-me
ao direito de respirar, mesmo que os dias acabassem
tarde e que todas noites não tivessem mais fim, mesmo
que os meus olhos pressintissem vontades que não cobiçam,
desejando antes outros desamores inconfessáveis, imoderados,

--------------------impossíveis de encerrar.

sábado, 31 de outubro de 2009

LÍVIDA NOITE


---------------------------- Para a Cátia

Caía a noite em tom lívido
quando a notícia chegou
ao liceu Alexandre Herculano.
Desceu automaticamente uma

espécie de angústia nebulosa,
enquanto se iniciava alheia
a última aula da última turma do dia.
O sangue corre-me veloz por entre

impulsos eléctricos que reagem
sob a forma de flashes memoriais
à tua existência. As vozes são cada vez
mais espaçadas, dispersam-se agora

dentro dos largos corredores, em
combinação com centenas de imagens
fotográficas que ressudam em mim.
Era impossível ficar-te indiferente,

irradiavas coriscos por toda a tua
existência e, nas centelhas que a tua
boca soltava, ressoavam certezas de quem
era o que realmente queria ser.

A morte,

colheu a destempo
como quem ceifa
trigo verde,
numa vontade imperfeita,

incontornável
ao sabor duma qualquer

maquinaria humana.

Para sempre ficará guardado o brilho
contagiante do teu olhar que sorria,
o ar suave e doce da tua essência,
numa memória colectiva perpetuada

em nós, em cada imagem, em cada gesto teu.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Outros poetas



Há monstros nas sombras daquilo
que toco, sem notar existir
vagueiam prateleiras forradas
a livros, uniões de facto,


íntimas de mim. Há silêncios
na casa que implodem e suplicam
sobrevivências num rasto vermelho
fogo - emergido à contra-luz duma

taciturna madrugada. Devo-lhes
esse silêncio, o sangue frio em reunião
com as palavras que respiram e se aclaram
noutros monstros

__________________[de vozes inquietas
 
que me sussurram e despertam
para outras vidas, outras paragens.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

OUTRAS LEITURAS



caminho derramado de asfalto
negro, gravilha gritante salta
da parede, casa em ruína
evidente no húmus da cidade,
a árvore tomba & escorre
na hera sua saliva verde,
o escuro pouco importa
e não imprime medos
na praça de liberdades
que cheiram a jornal
e electrodomésticos ultra-
-passados, sós,
sem dono.
essa pirataria
moderna & precária de
miolos vãos (a que chamam
de vulgo «junkies»),
desusam usá-los também,
fingem suas leituras improvisadas
no «central business district»
também ele improvisado e,
a eles pouco importa saber,
se a vida lhes escapa com vida
ou antes definha como a própria
praça, prostrada nas infortunas
e contos de outros tempos,
outras ---------- leituras.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

VAZIO AO DOMINGO



Uma manta de viagem
entre almofadas
desalinhadas no sofá:
eis o meu domingo.

A hora é de inverno,
mas tudo
se mantém imóvel,
à excepção do café

que me ofereço de saída
quase ao fim da tarde,
um livro que compro
para ler noite dentro e,

o caminho que repito recto
a esse lugar a que chamamos
de casa. Da janela, vejo sombras
em apartamentos vizinhos, minúcias

com que se vive o dia e se prepara
o outro que não demora. Infausto
é reconhecer que cada segunda
[de ventre vazio

se alimenta dos nossos gestos,
nos espera e morde as pernas
como o cão raivoso desconhece
o poema e a seu dono.

sábado, 24 de outubro de 2009

Paragem



Tens falhado sorte maldita,
a tantos ou a alguns
que te esperam, numa qualquer
vulgar paragem de autocarro.
Diluem-se em ventos e águas
vestidas de angústias.

Aquele rosto só
na espera da noite,
ficou-me gravado
porque travava o fumo
de um cigarro
numa passa longa e assustada,

enquanto eu percorria
tranquilo a minha ida.
O cd no carro brande-me o ego
mal acordado, ergue-se
o desejo autómato por mergulhar
na sede dos copos desmedidos,

entre fragmentos dispersos,
como aquele rosto só,
daquela paragem vazia.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Viagem


(Painting by: Hugo Pereira)

Percorreste amigo a «A1» de fio
a pavio e, dessas travessias entre
Porto/Braga/Sintra/Alentejo
relembras por certo tuas variações.

Desses instantes casa às costas,
(tantas vezes!) transportada na exiguidade
de uma viagem só.
Recordo-te desde a primeira gargalhada,

das sobremesas que comias em dose dupla
na cantina das Belas Artes, sem nunca
desmanchares o ar sereno que te compunha;
dir-se-ia: ingénuo até. Nunca cheguei a perceber

se era propositado ou mera distracção,
vejo sim, ainda hoje, que era um creme
de maçã com canela, essa segunda iguaria
que desviavas. A geografia que governa

os teus passos, aponta agora noutros horizontes,
ainda a descoberta do cinzel em outras bandas
que congraças agora em versos pintados

pela tua "Criação".

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

PRAÇA AGOSTINHO VALENTE



Os «Zen» brilhavam no leitor de cd’s
do «bibau-bar», a um ritmo nocturno
onde as garrafas de cerveja vazias
pareciam voar sobre mesas cheias.

As colunas vibravam num limite
que inundava dois patamares
de tons graves, agudos e baixos,
conforme o estilo de cada um:

cave ou janela?
Pormenores pouco importam,
apagam-se no cinzeiro do silêncio,
que ronda as 2 horas mais tardar 3.

Desprendem-se os cachos
em debanda, um rol de caras
próximas, mas tão diferentes
no destino. Sempre que a porta

aquela hora se fechava, muitas
foram as histórias que ali se estribaram
entre paredes. Parecem sobreviver ainda
hoje, num tempo que avança rápido & urbano
___________________________[tipo fast food.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Zen - U.N.L.O.



«The Privilege of Making
the Wrong Choice»

A mulher repousa doce
sobre um manto de folhas.
Algumas flores brancas
ladeiam-na. São da sua
pertença um derrame
da sua «pochette» perdida,
entre caruma e a humidade
verde do seu peito nu.

O sobretudo não guarnece
as suas longas coxas,
nem os vestígios industriais
que reinam à luz da gananciosa
mão humana, contígua ao mar
que mal respira. Vive num
sufoco de gases refinados
pelo capital opressivo,

que nos mata e tenta inibir o direito de respirar,
este odor puro, nesta terra molhada.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

PRUMO DE CHUVA




Os ossos prensados em torno
da noite anunciam a chuva
os charcos e a lama que resiste.
O cinza alvo no tecto das coisas,
confirma-me o estorvo sentido
dum sono lento, mal passado.
Os dias sustentam um rasto

distinto nesse fio-de-prumo
que desconheço vertical.
Imperturbável assim me sinto,
mergulhado na anatomia
imutável das estações que aceito,
como a essa faca que corta a eito
certas comiserações à deriva.

domingo, 18 de outubro de 2009

1989



Passaram duas décadas.
Ainda me recordo desse sinal,
que ilustrava a timidez dos teus lábios,
sempre que se atreviam nos meus.
Novembro, era o teu aniversário,
as salas sucediam-se num reboliço,
como a imensidão de convidados
que rebentavam
pelas diferentes divisões da casa.

Pouco me sobra dos momentos
laterais a nós. Sentados no chão,
lado a lado, sentimos o apego
das mãos, no segredo
de um escuro propositado.
Memorizei esses momentos
que passamos, naquela sala
debutante, ao ritmo vinil
dos «Pixies & Violent Femmes».

Poder rever-te, foi como
o reatar de um acto,
dessa peça perdida
nos confins de um tempo
que buliu. Observo-te
diante do ecrã, numa teia
composta pelas frases soltas,
desta rede que nos une
& nos trás de volta.

sábado, 17 de outubro de 2009

NÃO SEI O TEU NOME



Esvoaçam avulsos diálogos
num pátio convulso,
pela nicotina inflamada
de conversas descarregadas
até aos monólogos.
Sinto-me ultrapassado
primeiro à passagem dos olhos
que permeiam os meus e,
muito depois,

pelas histórias não previstas
[no meu código de estrada.
Entendo a minha dispersão
que se foca na porta do bar
por onde irrompes]
em simultâneo um cenário
de velhas árvores quietas ao fundo,
são a fuga de improviso,
o meu verdadeiro trecho desprovido.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

SEM PONTUAÇÃO



Nasci assim
como o poema ao acaso
nas contas dum tempo
puro em revolta
havia nesse hiato perdido
outros textos nascidos

doutros berços
em cores alegremente pálidas
mas eu era apenas
o mirrar do texto
quem sabe mal notado
de pernas compridas

finas e secas
ao sabor do sal e das lágrimas
pela descura do tempo
fumo de ervas aromáticas

um fim de linha
entre as linhas
escritas e gastas
sem pontuação

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

DESFOQUE



Os ponteiros avançam
na madrugada, dominando-a
como a uma extensa avenida.
Apenas os minutos gelam,
tal como os dedos frios sem sangue.

Não existe trânsito ou semáforo
que estanque a tua pressa
furiosa. As pálpebras tremem
delicadas, a cada solavanco irreflectido
em cada mudança veloz.

E tu, julgas ter uma razão a mais
para fugir aos desígnios da tua presença
ao estilhaço da tua ribalta.
No silêncio dos teus passos, embates
de frente com a tua intrepidez,

só o desfoque do tempo, poderá ditar-te
a palavra fim.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PERCURSO



Percurso
reproduzido
chego perto do refúgio
do meu resguardo
e sinto,
essa bolha gigante
que me envolve
e conduz
naquilo
que esboço;

o carro flutua
por certo,
não sei.
É estranho, mas sinto
«simultaneus» vazio
um cansaço sem suor
o devaste no corpo,
duma mente que marcha
e não pára,
jamais;

depois acordo
vivo
imediato dia diferente e,
a sensação torna
outra vez.
Intrincadas são
as palavras colhidas
que nos fulminam
mais além.
Diz-me, porquê?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

CEGUEIRA DISFARÇADA



Seguiam cegos pelo caminho,
num destino incendiado pelo calor
das passadas irrequietas.

A monte, estava o amplo impulso,
saltava livre ou, aprisionado, seria?
Vivia aliás, ciente de estar amarrado

pela raiz brava, dum punhado de amor,
que ambos julgavam lhes pertencer.
Impuro e rude, assim era o ócio, com que

juntos brindavam e bebiam a jusante,
num refluxo que os prensava adiante.
Inauguraram frequentes garrafas

antigas & vertidas, de colecção;
na ressaca do entusiasmo, exibiam
as réstias da vidraça, junto ao velho

alpendre abandonado na casa.
Aquela cegueira disfarçada, sobrevivia,
em cada mão dada, vazia de sentido,

a cada erva espontânea, nascida no quintal.

domingo, 11 de outubro de 2009

MIL FONTES



Respirava-mos fundo naqueles dias, pouco menos
que a perfeição, numas férias improvisadas
mas, entusiastas. Lembras-te? Decidimos a ida
com a enorme vontade de querer-mos estar sós,
de inscrever aqueloutros momentos inolvidáveis

no nosso ainda tenro texto. Depois, o telemóvel tocou,
naquela ânsia que me vestiu o rosto, atravessamos
o país em propósitos absolutamente meus,
como poderia eu esquecer-te?
Foste a peça essencial daquela urge engrenagem,

como pude desvalorizar-te assim?
Mais além, estava na iminência de entender
que a nossa confluência teria os dias contados,
a ufania venceu. Prescreveu-nos porém, súbitos
remédios, que tomámos sem hesitar.

Apanhaste-me de improviso, chegaste veloz
como um trovão fulminante, que se espessou,
sobrecarregando uma pilha de palavras perdidas,
entre a espuma e a demanda das ondas serenas,
daquela costa Alentejana, algures em 2001.

sábado, 10 de outubro de 2009

«FALLING THE STAR»


Partiste depois daquela quente e singular noitada de copos,
encarceraste-te entre as quatro paredes do teu quarto
em Coimbra, onde milhares de fotocópias e dezenas
de sebentas, se riam de ti, até altas horas da madrugada.
Perguntava-me repetidamente, o que seria feito de ti,
onde e com quem estarias. E eu, curiosamente, sempre
te imaginava numa mesma cena, debruçada sobre o teu
busto, à luz de um candeeiro que iluminaria as tuas leituras.
[Mais tarde pudemos esbater entre risadas, essa imagem
deturpada que não passou disso mesmo, um erro de casting,
apenas possível pela própria envolvência, daqueles tempos.]

Volvíamos em cada fim de jornada, para as vulgares

férias académicas. Constatava-mos depois, que Macedo
se mantinha imóvel, talvez avesso a mudanças bruscas.
Somente os bares, tascas e outros cafés sobreviviam intactos,
porque nós crescíamos e anotava-mos toda e qualquer mutação
alcançada na singularidade de cada traço de cada gesto.
Guardei no entanto, desusadas dúvidas desse tempo:
- Onde guardas afinal, aquela colecção de desejos que reivindicavas,
pestanas coladas aos céus, em noites abafadas de verão?
Sabes o que guardo desse tempo? Alguns cheiros e outros pedaços
de pequenos nadas; que a mais ninguém dizem tanto,

--------------------------------------------------quanto a mim.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

MADRUGADA NO TEU PUZZLE



"Puzzle"
Jogo de paciência composto por uma infinidade

de fragmentos recortados que se devem combinar
para formar uma imagem.

Esperaria, horas a fio por ti,
mesmo que não fosse essa
a história que os teus olhos
vissem contada pelos meus.
Naquelas madrugadas, haveria
lugar às conversas famintas
de basto alimento - o lugar aos abraços e,
sorrisos desconexos entre si.
Surgiriam jogos desenhados
numa infinidade de projectos
que desmontaríamos juntos.
Dividiria pelas sarjetas as agruras
que me estorvam, num inverno
que está para vir, espantaria os males
e os remédios que nunca hei-de
ter, construiria o mais acertado
poema,
só para poder tocar
no teu recôndito existir.

E tu? Quanto tempo estás disposta esperar?

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

LUSCO-FUSCO



Disseste:
«Vi o crepúsculo no teu olhar…»
Quererias dizer:
A decadência, o declínio, o ocaso ou o amanhecer?

Eu vejo tantas coisas que não condizem,
tantas claridades frouxas que precedem
indubitáveis e surpreendentes clarões
(tantas vezes vindos de um absoluto nada).
Tantos bafos são (ou parecem ser) uma espécie
de expiração artificial, cancerosa até,
como a acidez das palavras expelidas,
no sufoco de um vómito, que se esfacela silencioso.
E era tamanha a dissensão exposta desse teu espelho
lascado, irreflexivo, que acabei por me esconder,
atrás de uma qualquer argumentação escanzelada,
que nunca cheguei a aduzir. Morreu, tal como a tua.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

CORPO A NU



Externo eriço esse peito,
sem rede ou trapézio,
solto ou seguro de si?
Adivinha-se o toque,
dessa mão que amarra
sem soltar a costura
deslassada do quadril.
Seiva doce, brota quente,
teu vulcão em lava escorre,
por ti ou per si?
Sente o sulco sem arado,
pura fome insaciada,
mero desejo carnal,
desse corpo sem sangue.
Pretéritos momentos
apagam-se sem ardor,
definham & morrem
sob as mãos deste tempo,

irregular?

domingo, 4 de outubro de 2009

ÂNCORA D'OURO



Estacionamos o carro naquele jardim sem gente,
seguimos sem enganos pelo velho trilho do eléctrico,
de encontro à turba diversa e ressoante.

A chuva avançava tímida, sem crença.
Daquele muro granítico que improvisamos
como assento, facilmente resvalaram inúmeros

assuntos de circunstância, risadas e olhares
permutados no desengodo de uma noite
que crescia, rasgada como nós. Na madrugada,

descobrimos depois outros bares, galerias
de diferentes intenções, talvez mediadas
em preconceitos que se exibiam pelo descrédito nu,

das horas que avançavam e nos encaminhavam
de regresso a casa. Do último fotograma relembro:
a pressa e a sorte com que resgatámos a noite

__________________________o início de uma revolta.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

UM HOMEM SÓ



Um homem de meia idade treme,
tem na mão, o papel, o argumento
ou a escapatória daquilo que o trás por ali.

Esconde as palavras que parecem
dissimular-se por detrás dum bigode
nervoso. O olhar foge-lhe para a mão

onde transporta a sua arma de caligrafia
urgente, vem assinada por alguém
que lhe reconhece certamente os passos

e as angústias, obstáculos de toda uma vida
que deixou de lhe despertar o interesse.
«Eu quero cumprir!»

Repete ele a custo, numa espécie de discurso
com que engana a sua própria existência.
O destinatário do recado finge acreditar

na sua encenação.
O homem bate em rápida retirada
prometendo regressar com brevidade,

mas só ele sabe, o quanto quer fugir dali,
o quanto é amarga a figura que representa
neste cilíndrico mundo cruel, que o esmaga,

sem contemplações.