AGOSTO 2010

cafésolo

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

«london calling»






Ao olhar o céu do fim da tarde,
concretizo um ainda tecto azul
visível desde o limite da varanda.
Há uma projecção na alma
que me reporta por instantes
(como dirias “longe da aldeia”)

até ao coração da Inglaterra.
Há uma pendência que se instala:
- Como será esse céu depois?
«Charing Cross Road – London»
(a mesma de Helene Hanff, 1970)
alfarrabistas, «cheap books» & 1

________tabuleiro enorme por desbravar.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

café central


















Visto desde longe, é como se tivesses
enfileirado a favor dos trilhos do futuro.
Já não vendes tabaco avulso ao balcão,
mas albergas um enorme sorriso, e as cores
de um tecido que me desatenta como o verão

[o leitor que me perdoe este pequeno desvio].
No "central" já não respiram os painéis marron
a imitar ancestrais figuras agrícolas de parede,
degredadas desde sempre, desde o tempo que 
se cravou no largo o busto & o respeito pelos
____________________________[segadores,

pelas suas figuras de aço, uma história de pedra,
talvez esquecida pela modernidade da praça.
Visto de longe, é como se este café central
[igual aos demais] nos permitisse agora voltar
ao tempo onde pudemos observar [privilégios

dessa imensa & emotiva peça] seus semblantes
vazios, sentados no emaranhado histórico de uma
mobília escura, a madeira singular de uma África
de século XX. Rever [ainda que por breves instantes]
certos olhares, transportes sinistros em homens típicos

& desaparecidos; rever suas figuras nítidas de domingo,
seus fatos riscados na brancura cuidadosamente engomada,
o incandescer bruto do ferro movido a carvão ascendente;
uma espécie de lume sombrio, o fantasma de um tempo que
__________________________________[deixou de o ser.

E ainda o cenário de chapéus senhoris & chávenas
de elegante "etiqueta" [a risca azul sem alusão à marca]
a acompanhar, desaparecidos desde sempre, como
a distância e o tempo que nos separam desde agora.
Neste instante, apenas o acrílico plástico parece

suportar o peso de uma geração «wireless/wlan»
que cresce adiante, num ritmo que parece fluir
longe do alcance das nossas palavras, no vazio
quieto e tão sóbrio, das nossas próprias mãos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

«this way out»
















Procuravas a saída naquela imensa
e efémera noite quente de Agosto.
O arraial na aldeia trazia o quadro
das cervejas rápidas & frescas;
uma espécie de roda ou rodada
galaica, na qual te revês completo.

Há olhares cúmplices e a firme
vontade em sobreviver dentro
de uma noite que avança passageira
como nós, desligada de um palco
intermitente, tal como a nossa vida.

Gastaram-se-nos as palavras
por entre os versos de um sorriso
que se acende, tal como o vento
e o artifício, que nos fixam à queda
vinda dos céus. «London calling»
Trás-os-Montes, «this way out»

a chamada indiscreta na desrazão
da procura. « CHECK– IN – ONLINE»
– mochila pronta – não existe outro caminho,
não há outra razão pra desligar da saída
instantânea, tal como o poema, que não sei
_______________________[rematar.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

instante














Instante, regresso,
e momentos apertados,
escadaria em memória
revisitada.

Percorre as palavras
eu
procurar-te-ei imediato
junto à foz.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

«fast & shiny»


72-RC-27

Atalhas a cidade por dentro, é o preço
a pagar pela hora e 1/2 de atraso.
Há coisas que se ocupam de nós e nos
fazem desarrumar o instante, de uma

outra forma. O enigma da face estranha
por exemplo: 1 olhar insistente, parece
reconhecer-nos desde sempre, parece
querer exceder os limites do nosso m2.

Estamos atrasados e não admitimos desatentar
ao vazio presente na fila de trânsito; na urgência
automática do multibanco; no assalto desvirtuado
ao coração [«sheer drop  –  fast & shiny»].

Descolamos deliberadamente desde o 1º flash.
Estamos atrasados, habituados a adiar o tempo;
a evitar o acesso fácil da voraz percepção;
o abandono rápido & instantâneo do corpo,

_________________________[em cada instante.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

exportador de urgências














Pouco mais nos resta ao final da noite.
Exportamos urgências sobre os limites
impacientes – o castigo? – na cidade.
No restaurante daquela rua sem nome,
ficaria perpetuado o nosso desejo, cravado
no tampo da mesa. Três dias e três noites

um mau caminho agora esquecido.
No regresso, recuperamos rápido o fôlego
no outro lado de nós. Estendeste depois as mãos
sobre o resto do tempo como se de um abraço
sobre os túneis da cidade se trata-se – reminiscências
de luz – ruas sem sentido –  a cidade inteira.

Ficariam por escrever  –  outras tantas palavras
noutros tantos tampos, as outras mesas por onde
nos desgastamos –  menos trechos ao poema.
Enquanto o mundo inteiro
_______________________[parecia dormir, alheio em nós.