AGOSTO 2010

cafésolo

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

#fantasma negro

 

Sou o fantasma negro da tua solidão.
Sou essa espécie de penumbra onde
repousa a réstia feliz da tua inocência.
Sou esse teu abandono. Sinto todo o abandono
a que os fantasmas te relegaram. Uma espécie
de silêncio tão pesado quanto distante de todas
as moradas esquecidas da tua infância.
Sou essa memória triste que implodiu dentro
das pedras, um amor frio em sangue quente &
derramado entre as paredes carnais do desejo.
Sou esse reflexo passado



                                        & distante que corre
entre as veias. Sou esse cada instante por cada
imagem que trazes, por cada esboço que és.
Sou a memória dessa paz que em ti repousa
hereditária e secularmente muda.
A memória desse tempo ou desse amor in
condicional. Um amor carnal onde as mulheres
eram o pão e os pilares da nossa história.
Uma história que se nos aconchega aos ossos.
Como este corpo vazio na angústia da sala.
Como se de um fantasma triste se tratasse.

domingo, 9 de outubro de 2011

jogo de palavras

 


Coisas pequenas, jogos de cartas em palavras,
digo, jogos ardilosos de significados escondidos
entre mãos – como quem desfolha um dicionário
de toda uma vida – que deixou de fazer sentido.

Existe uma ordem aparentemente anacrónica
que fria e cegamente se afasta da sua própria
história. E eu digo: toda a matéria se questiona
no tempo, na sua ordem ou causalidade natural;


na precisa hora em que se ditam amarras de
toda uma vida. No preciso momento em que a
matéria deixa de ser matéria e passa a ser pó
como vento que beija o exacto perfil do outono.

Coisas pequenas, coisas de embalar, coisas
frágeis de partir, coisas que invadem o nosso
espaço, sobrevivem a este tempo, um tempo
encerrado por cada instante – por cada história


frágil – de fraca raiz. Uma história dispersa
que se afasta do paradigma em que vamos,
uma espécie de axioma longínquo mas perfeito.
Eu agora mergulho no absorto mundo pássaro,

olho as tuas asas e replico por esse caminho
derramado de sangue, de pequenos horrores,
devastação. Como o vício que nos representa
neste jogo repetido, viciado. Somos maioritária

e repetidamente escolhidos, ou por outra,
entregamos-nos simplesmente à passividade e,
caímos a pique nesse tempo que se esconde  
do próprio tempo, pelo mesmo instante que 

                                                           [se esquece depois. 


Como este jogo perdido que 
se encontra viciado à partida.
Ou será nosso predestino perder
este jogo de palavras assim?

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

por estes dias longos

 



E cantar era conceber uma estrela,  
um testemunho da mais alta loucura

Herberto Helder


Sigo o relento destes dias longos
tão distantes do alcance dos dedos
como o medo puro das rosáceas
cravadas por instantes na carne.

Intermitências de um sol que se afasta
desta máquina clandestina e cantante 
como uma espécie de fé que se aninha
entre a loucura e a prudência da solidão.

Estamos sós, estancamos nossos medos
por cantigas antigas, de outros tempos,
«quiçá» mais felizes ou menos vivos.
Talvez seja o inverno que nos tarda;

Um medo frio de quem canta sem razão
ou motivo aparente, sem ritmo ou amor.
Talvez seja a poesia que nos pronuncia
diante da carne que envelhece sob a pele.

Talvez seja o medo do fim destes dias longos,
esquecidos como colecções antigas que fomos
deixando para trás como a nossa própria idade.
Talvez seja esta a estrada sem cabeça, por onde


impera uma certa loucura de uma certa
cabeça desvairada, desvirtuada do norte,
de um rumo ou plano “b”, que na verdade,
nunca chegou a existir nos escaparates


da nossa memória.

Talvez seja este cantar aturdido
por onde me trago perdido
uma espécie de vazio entre mãos
que se adianta lenta e ternamente do fim.