AGOSTO 2010

cafésolo

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

«spleen mirror»















Há uma luz que resta conjugar:
tal como o verbo alienado –
­por uma acção repetida-
mente adiada – a incerteza
maquinal de toda uma vida.

Observo a indiferença
na espessura dos dias.
A robustez do aço 
ou a cidade que nos 
molda por dentro.

Espelho-me na densidade 
de um todo pensamento.
Na força dessa lâmina  
que nos corta a língua 
e o coração das palavras.

Penso e adormeço 
sobre desordem 
que silencia  
verbo por 
abrir:

o mesmo erro repetido
no tempo?
Ou os braços 
maquinais 
de toda uma vida?

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

#o teu sorriso




                                            

Eu procurei avisar-te, mulher:

para a inexistência da perfeição; 
ou por outra:
que ela existe sim, na mesma medida
em que a beleza das coisas existe e vive
efémera, como um ciclo que dura
para além de toda e qualquer ilusão.

E que apesar de tudo não nos perfura
a alma como os punhais da desilusão.

Sucederam-se os meses
(a que chamamos passado)
e de cada vez que te escondias
entre a espessura dos dias 
encontravas o remate perfeito
na «simetria» do poema.

E a perfeição não existe,
ou por outra:
apenas o teu sorriso existe,
como um embalo que eterniza

                         [a métrica do amor.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

#insónia















Irrompi pela insensibilidade
dos sentidos, por essa abrupta
mancha chamada insónia.  

Pairava na minha cabeça
uma espécie de agonia
desvairada como um vírus:

Eu era um fiel guardador
de navios. Sim, essa ideia
desvairada ressoava pelas

paredes urbanas dos prédios, 
como a agitação do vento abalava 
a loucura do mar pelas janelas.

Lá fora toda a madrugada 
ardia dentro da inércia 
fria dos objectos. Parecia

vigiar-nos numa relação im–
provável de sentimentos. Ardia 
num todo desassossego aceso

pelos archotes antigos – da nossa 
existência. Como uma espécie 
de relação de ausências quiçá
                                                            
                           [perpetuada
     
pela firmeza do esquecimento.   

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

#fantasma negro

 

Sou o fantasma negro da tua solidão.
Sou essa espécie de penumbra onde
repousa a réstia feliz da tua inocência.
Sou esse teu abandono. Sinto todo o abandono
a que os fantasmas te relegaram. Uma espécie
de silêncio tão pesado quanto distante de todas
as moradas esquecidas da tua infância.
Sou essa memória triste que implodiu dentro
das pedras, um amor frio em sangue quente &
derramado entre as paredes carnais do desejo.
Sou esse reflexo passado



                                        & distante que corre
entre as veias. Sou esse cada instante por cada
imagem que trazes, por cada esboço que és.
Sou a memória dessa paz que em ti repousa
hereditária e secularmente muda.
A memória desse tempo ou desse amor in
condicional. Um amor carnal onde as mulheres
eram o pão e os pilares da nossa história.
Uma história que se nos aconchega aos ossos.
Como este corpo vazio na angústia da sala.
Como se de um fantasma triste se tratasse.

domingo, 9 de outubro de 2011

jogo de palavras

 


Coisas pequenas, jogos de cartas em palavras,
digo, jogos ardilosos de significados escondidos
entre mãos – como quem desfolha um dicionário
de toda uma vida – que deixou de fazer sentido.

Existe uma ordem aparentemente anacrónica
que fria e cegamente se afasta da sua própria
história. E eu digo: toda a matéria se questiona
no tempo, na sua ordem ou causalidade natural;


na precisa hora em que se ditam amarras de
toda uma vida. No preciso momento em que a
matéria deixa de ser matéria e passa a ser pó
como vento que beija o exacto perfil do outono.

Coisas pequenas, coisas de embalar, coisas
frágeis de partir, coisas que invadem o nosso
espaço, sobrevivem a este tempo, um tempo
encerrado por cada instante – por cada história


frágil – de fraca raiz. Uma história dispersa
que se afasta do paradigma em que vamos,
uma espécie de axioma longínquo mas perfeito.
Eu agora mergulho no absorto mundo pássaro,

olho as tuas asas e replico por esse caminho
derramado de sangue, de pequenos horrores,
devastação. Como o vício que nos representa
neste jogo repetido, viciado. Somos maioritária

e repetidamente escolhidos, ou por outra,
entregamos-nos simplesmente à passividade e,
caímos a pique nesse tempo que se esconde  
do próprio tempo, pelo mesmo instante que 

                                                           [se esquece depois. 


Como este jogo perdido que 
se encontra viciado à partida.
Ou será nosso predestino perder
este jogo de palavras assim?

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

por estes dias longos

 



E cantar era conceber uma estrela,  
um testemunho da mais alta loucura

Herberto Helder


Sigo o relento destes dias longos
tão distantes do alcance dos dedos
como o medo puro das rosáceas
cravadas por instantes na carne.

Intermitências de um sol que se afasta
desta máquina clandestina e cantante 
como uma espécie de fé que se aninha
entre a loucura e a prudência da solidão.

Estamos sós, estancamos nossos medos
por cantigas antigas, de outros tempos,
«quiçá» mais felizes ou menos vivos.
Talvez seja o inverno que nos tarda;

Um medo frio de quem canta sem razão
ou motivo aparente, sem ritmo ou amor.
Talvez seja a poesia que nos pronuncia
diante da carne que envelhece sob a pele.

Talvez seja o medo do fim destes dias longos,
esquecidos como colecções antigas que fomos
deixando para trás como a nossa própria idade.
Talvez seja esta a estrada sem cabeça, por onde


impera uma certa loucura de uma certa
cabeça desvairada, desvirtuada do norte,
de um rumo ou plano “b”, que na verdade,
nunca chegou a existir nos escaparates


da nossa memória.

Talvez seja este cantar aturdido
por onde me trago perdido
uma espécie de vazio entre mãos
que se adianta lenta e ternamente do fim.   

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Revista de poesia: "A sul de nenhum norte"




















(Clicar na imagem, para aceder ao download)

"A sul de nenhum norte", é uma revista de poesia online que
teve a amabilidade de me convidar a participar na presente edição.
De download grátis, basta aceder ao blogue para fazer o download.



Boas leituras!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

caminho-de-ferro















Aqui te deténs permitindo o avanço
– da vida – diante a terra batida por
entre canteiros de rosas como este


final da tarde neste resto de verão.
Momentos há em que a verdade que
nos sobra torna à boca como a clara

oportunidade que temos para tentar
tudo de novo, de frente para a nossa 
própria finitude: dentro de uma certa

validade onde todas as datas se inscrevem;
– como o bom vinho que nos resta ou apraz
beber – para além de toda e qualquer breve

existência que não nos pertence. O oráculo
deixado ao acaso (por ex.) aviva escaparates
da memória como a verdadeira oportunidade


deliberadamente perdida ao ritmo sintético
da nossa história; & a mensagem que nos
resta seguir fica tão simples:

      “Observa o interior da tua alma”
    Pelo resto que te observa e avança
     diante as linhas que se estreitam
             pelo pulsar do coração.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

vejo desde aqui um azul vapor
















Vejo desde aqui um azul vapor,
a condensação defronte aos olhos,
uma levitação de camarote sobre o mundo.

Parece eterna a vida vista daqui,
como a lisura do teu olhar que me 
conquista em cada avanço sobre o meu.

Perco o alcance sobre as coisas,
sobre as flores, sobre esta saudade
que a nós pertence e que sempre regressa 


louca, como o alcance que não temos 
sobre-tudo, sobre o todo de perder o pé. 
Perco a noção inteira da palavra destino. 


Perco o fôlego ou a ideia mortal de existir,
o calor que nos aponta numa mesma direcção
ou mapa disposto a sul de tudo (e até mesmo de nós).

Como este amor que nos encontra (agora)
de igual modo firme e frontal. O suor firme do teu 
corpo contra a firmeza do meu: nosso mundo ou jeito

                                                              [terno de ser. 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

regresso a sul

















Regresso a Sul. Pela mesma janela ou
sentido cardeal, pelo mesmo alcance 
telúrico da carne, como o destino verde 
dos teus olhos que me olham a norte.

Regresso, ao mesmo sentido do amor,
às fotografias por onde nos fixamos
como rostos felizes na mesma sépia
de sempre. Talvez tenhas razão quanto

aos pontos cardeais, quanto ao momento
que atravessa a pele e nos superintende
a existência, a vigia corpo a corpo, num
mesmo modo ou jeito mudo de respirar.

Pouco importa (agora) se na verdade 
todo o mundo se prolonga e regressa 
dentro de uma certa violência imaginada-
mente perdida: sem geografias possíveis –

por esses tais instantes – que se negam
como palavras lançadas contra a ferocidade
das mãos, a cobiça cravada entre as unhas
e a carne, como este desejo que se partilha: 
                                                       
                                             [de regresso a sul.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

à largura do chão
















Hoje o dia acordou cinza.
É uma espécie de alçapão
aberto no céu. São estas

águas quem mais nos des-
acerta o passo [já por si] lento,
dir-se-ia: arrastado, até.

Lento como o olhar arrastado
para além da espessura rude
do cimento molhado, esse odor  


               [marcado à largura do chão.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

façamos de conta















Façamos de conta por exemplo: um
amor. A sua estrutura ou magnitude,
numa chama impossível de alcançar: 
um enigma difícil de circunscrever óbvio
(para não dizer mesmo impossível).

Finjamos a ternura tenra da carne.
Os jardins abertos em tempos idos, dias
perdidos entre a doçura tímida de uma
virgindade perdida como «as obrigações
de um tesouro» tão difícil de prosperar.


Façamos de conta [ou a conta] hoje,
que o céu ficará para sempre cor carne.
Depois, rendamo-nos às evidências &
entreguemo-nos [pois então] às falsas
declarações, ou à ideia de 1 reembolso.

>>>>>>>>>>>>[por fim aguarda-se
{pelo suposto} montante do apuro].

domingo, 29 de maio de 2011

trazes um rumor






















Trazes um rumor escondido entre os lábios. 
As palavras ocultas, arrumadas pelo medo  
inerte do espaço. Objectos desorientados 
pela mesma desrazão dos dias, os olhos 
fechados nas sombras dos objectos. Trazes:
um cheiro de amor, um aroma doce de rosas
silvestres e um vestido (que vejo claramente),
como uma espécie de poluição entre a cor e o
aroma campestre de um corpo suado por dentro.
Espalhava-se como um rumor de amor esse teu
vestido, desde o alto dos muros até ao alto dos
sorrisos abertos como flores emprestadas de boca
em boca. Uma espécie de rumor espalhado pela
força dos dedos, a marca profunda dos anéis.

                E agora que regressas, trazes murmúrios:

um rumor frio que esmagas entre os dentes e as águas
profundas do teu pensamento. Um eco calado na boca
como a alta saliva seca pela surdez muda das palavras­.
Uma porta aberta para um abismo que trazes por dentro.
Um alto mar revolto por nada, ou um todo sal que ficará

                                                      [sempre  por dizer.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

«second hand smoking»















Esfumo-me por cada momento 
ausente, por cada ansiedade
acesa num rasto raso à beata.

Por cada palavra deslavrada 
sobre a cinza morte lenta – 
meros escombros do destino.

Digo:

é urgente ordenar as palavras,
as metáforas e todos os nomes.
É urgente saber o porquê deste

caminho tão vago desfeito no pó.
É premente este silêncio que nos
estrangula lento e insuportável.

Por cada momento violento há uma 
voz que implode junto à secura
da garganta, junto ao fim do mundo 

                                                 [no rosto: 
um mesmíssimo mundo:                       

              que nos arde e se esfuma 

entre a brandura das mãos.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

placebo















Pergunto-me: será que existe
receita ou remédio para um
pretérito mais que (in)perfeito?

Em modo de adversidade ou infortúnio
(intolerável) deverás administrar
redobradas doses de relativismo.

Porque as memórias são
– autênticas caixas negras
repletas de fotografias –

lâminas que cortam uma vida
por dentro – efeitos secundários
possíveis – no limite da ficção.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

#cenário 1


















O cenário é um café onde se permite fumar.
Há um último cigarro que fumega apressado
num cinzeiro meio cheio ao centro da mesa.
De fronte para o grande vidro da entrada vai
levantando um semblante distante, como que
a contar o resto das cabeças que resistem à hora
marcada. Escreve compenetrado a espaços num
bloco negro, que acomoda de quando em vez
de mão solta, é canhoto, é certo, e os seus
óculos disfarçam a barba que traz por desfazer.

Dão-lhe um ar de qualquer coisa, como direi:
séria, os óculos que usa. "Deve ler que se farta"
comentam as tipas da mesa ao lado, um pouco
antes de zarpar. Avançam por rasgados sorrisos
rápidos que as levam (por gargalhadas, mesmo!)
de encontro a um destino seu, sob o olhar atento
daquele que agora parece ser um poema que fuma
(outra vez). Parece ter uma certa compassividade
eléctrico-compulsiva, se calhar também perde algum
tempo com os versos, ou talvez não, não sei bem.

Há algo de estranho nesta personagem que me faz
ficar alguns minutos mais (ou aqueles que sobram
ao meu próprio fado). Lá fora observo outra gente
que se movimenta numa quebra de ponta na cidade.
É a minha deixa e com ela me levanto também, mas
creio que ainda ficaram umas 10 ou 12 cabeças (se é
que os moços do balcão também contam, no improviso
da contagem). - É estranho ou mesmo raro ver-se gente
«perdida», penso, ou então, eu é que perco demasiado
tempo a observar cenários daquilo que deambula por aí.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

perdi os versos

















Ontem perdi o sono e depois
os versos do poema. O vento
difundia-se em súbitos gritos
entre braços, desideratos
fossem de outra gente – como
o amor isolado entre paredes –
na cidade que adormece.

Perdi os versos e o sono
por esta terra reinventada
na espessura do papel.
Entre uma luz evidente
e esta paleta de cores repetida,
tal cópias exactas de um
passado onde não moras.

Perdi os versos que jurava
não perder, mas perdi,
perco-os sempre defronte
ao desejo de um nada que
acontece. Como uma tocha
que arde figuradamente triste,
nesta vida de se «trazer por dentro».

Perdi o medo de perder, desde
que cedo perdi os versos,
as estrofes e as cores,
ainda que por mil manhãs
me reencontres perdido neste
mesmo papel de retrato (trans-
figurado) em palavras que ficam

                            [e se repetem – para sempre.

sábado, 14 de maio de 2011

sem hesitar – a palavra
















Desliza às paredes da língua
uma torrente de chuva ácida
na vez da saliva. Como se fosse
uma corrente que nos atravessa

o espírito – afundando depois
entre poros – melhor dizendo:
entre a armadura de aço no peito
e os limites da pele que cede

à estiagem lenta dos dias.
Envelhecemos aos poucos,
adicionamos brancura aos
cabelos que se descuram

na avidez sôfrega deste tempo.
E insistimos por esta contagem
que se julga ser interminável.
Valha-nos a memória do tanto

em que fomos, a verdade em que
sempre vivemos, porque a língua
que nos representa há-de morrer
firme – sem hesitar – a palavra.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

hoje chamei o teu nome














Hoje chamei o teu nome,
o teu dia cansado,
a tua ausência,
longo é o verbo da espera.

O dia também me fugiu,
foi um corrupio de ida em volta
ainda que breves tenham sido 
as minhas conjugações.

Chegou ao fim o dia,
encontro-me finalmente 
de frente para este rosto
que também trago cansado.

São estes dias de suor
e esquecimento
que nos fazem esquecer
dos nomes, dos verbos,

de toda uma semântica
que nos aproxima – para além
de todo o esquecimento
que nos representa – assim.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

«metaphysica»
















Este poema não tem pés, tronco ou
sequer cabeça. Será porventura um grito
perdido por dentro, uma inesperada
teoria metafisica (sei lá bem de quê).

Uma garrafa a meio termo – tantas vezes
fiel amiga –  «emprestada» ao poema.
Um armário embutido ao ritmo da vida  
arrumada em registos inscritos por nós. 

Por vezes, apetece-nos gritar à varanda
onde nada acontece, ou sequer tenha
um sentido que o valha. Vemos longe,
inflectimos os gestos, perdemos a voz. 

Perdemos o jeito e a coragem de o fazer.
E depois? Quantos são aqueles que se
dão conta de uma certa & fugaz loucura?
Tudo é instantâneo? Talvez meu caro! 

Mas quantos de nós gritamos por dentro
a degustação que nos mastiga por fora?
“Talvez seja a morte” (diz o poeta que 
mais aprecio em matérias de destino).

E eis que chega a vez desta voz inquieta
ao silêncio do poema; por onde seguimos,
sob uma mesma teoria metafísica – que
nos centra em inexistir, viver – ou mesmo:

                                 à inconstância de ser.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

«night route»

















Há muito que as cores da cidade
se tinham apagado pela noite
que nos acolhia entre braços.
O cheiro da terra molhada envol-
via-nos – porquanto esperamos –
num segundo acto combinado.

Havia forasteiros (por certo)
que deambulavam pelas ruas
oriundos de norte e sul, e nós,
permanecíamos ali, estáticos,
encostados e quase tão inertes
quanto as pedras do muro;

Desabaram duas, três, quatro
horas, entre conversas que foram
caindo como a morrinha penetrava
a brandura de um resguardo de Abril.
A chuva caía à semelhança da noite,
cansada entre copos vazios ou incertos

                                            [como nós,

será que envelhecemos?   

quinta-feira, 28 de abril de 2011

«eight weeks»













                                                 


Conto linhas traçadas
no tecto do quarto
ou o resto dos dias
que nos falta alcançar.

Desatenta-me a luz
desavinda da rua
contra a adição simples
e inócua da memória.

E no entanto, tudo parece
estar ao alcance das nossas
mãos. Assim de repente:
tudo parece ter um lugar:

neste canto onde te invento:
junto a um sorriso expresso 
– pelos olhos que te olham – 
 por dentro & tão devagar.

sábado, 23 de abril de 2011

«there's no other way"















Cigarro após cigarro, a vida
traduzida em mais um copo
que se partilha ao balcão.

É sempre assim quando regressas
à terra que mais te reconhece
(ou julgas reconhecer) ou por outra:

onde te reencontras por automáticos
reencontros que se perpetuam
para além desta breve existência.

Há um copo que se estilhaça (des-
cuidado) na firmeza do chão
há uma nuvem de fumo no ar

(que eterniza a nossa efémera
presença) confundida em conversas
de um puro regresso ao passado.

E ao final da noite regressas a ti
[à bagagem de toda uma vida] ou
à incerteza: de uma ida sem volta.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

o sentido















Vinha de uma casa onde
os silêncios se herdavam
como genes sob a pele.

Havia bilhetes que se
escreviam ascendentes
(como sms's de agora).

Pousavam sob o tampo
da mesa da cozinha, onde
aguardavam deferências.

Depois de todo o silêncio
foram os km’s que nos separam
as horas, os dias, os meses.
Hoje são anos.

Uma vida inteira que ainda
procura resposta, um sentido,
o significado da palavra vida?

terça-feira, 19 de abril de 2011

«smoke & ashes»















                            «One flash of light...
                                        but no smoking pistol»

                                                    - David Bowie -


Era de um tal dilúvio de abril
a chuva que embatia contra
a resistência telúrica da noite.

Parecia resistir à combustão
das palavras que partiam em
estranhos motores de incerteza.

Havia um último cigarro [aceso
pelo fogo improvisado dos versos]
que se encerrava ao vazio da noite

entre o fumo & a cinza do poema. 
E a secura que nos arde no peito,
é o silêncio aceso  pela madrugada.