AGOSTO 2010

cafésolo

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

fotografias antigas


















Fotografias antigas são
como relatórios presentes

de uma certa franqueza.
São aquilo que fomos ou

uma espécie de resultado
de uma antiga existência.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

amo-te




















                              Para todos os meus leitores & amigos, 
                              com votos de:
                              Bom Natal!



gosto de observar a vida
ver o sorriso estampado
no rosto dos outros.
já que por tantas vezes
não soube sorrir.

às vezes sou triste
como se tivesse direito
a um malogrado destino
a uma porta aberta
para coisa alguma.

uma estranha forma de existir,
eu sei. o caminho – por vezes –
afigura-se-nos diferente,
ganhamos novos alentos
[por assim dizer].

antes de ti
foram dias onde morri
a cada paragem de semáforo –
sob um oco vazio
as paredes distantes do corpo.

na verdade
talvez tenha levado demasiado tempo
a aprender a viver com este lado triste,
outras vezes a desejar
uma entrega simples ao fim.

apesar dos pesares
a vida foi-se abrindo
em cada luz verde
em cada semáforo aberto;
de ti se projecta uma outra luz

um outro modo de ser
ou sentido:
dito de uma outra forma:
amo-te!            

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

antigos esses tempos















Como eram [ou são] antigos esses tempos
de que te lembras. As músicas eram hinos
de vanguarda como vanguardistas éramos
quase todos. Usava-se o preto, os blazers

de corte antigo do tempo da sarja (não sei bem –
nunca fui "muito dado" às costuras) e as botas
ou sapatos «Dr.Martens» arredondando-nos à vida?  
Havia [sempre] "um quê" de punk misturado entre nós.

Uma mega-infância feliz. A música chegava-nos
via cassete dos quatro cantos do mundo
e os bolsos, apesar de mais leves, faziam-nos
hiper-felizes sem pestanejar. Subíamos as ruas

mais íngremes de Coimbra, por académicas calçadas
& sorrisos estouvados. E as memórias que se relevam 
de ti, talvez ainda vivam hoje, entre a medula mais
profunda e dispersa – o coração mais rijo da memória.

sábado, 11 de dezembro de 2010

equação





















Habitua-te a ser mais concreto
contigo. Não te escondas mais
atrás de um jogo de palavras.
Situa-te ao espelho, vê-te frontal!

Aproxima-te mais de ti e diz-me
a equação que vês. Oh o amor! O amor
e as suas voltas desbotadas contra
o rectângulo branco das fotografias.

Precisas mesmo dizer que falhaste
tanto quanto os outros até aqui?
Quem nos vem indicar o caminho?
Quem nos percorre por inteiro afinal?

É preciso dizer que tudo tem um fim,
que toda a matéria viva morrerá num dia
firme, contra a certeza concreta da memória
que voa, fora do alcance das palavras.

Um dia acordas assim, entregue ao vazio,
numa espécie de enfado ou destino,
o contra-peso ou ideia de balanço que tens
de um mundo arrastado no tempo, que vendo

bem, nunca chegaste a viver pleno. Pouco
interessa agora saber meus amigos, por quantas
cordas nos atamos por raízes soltas, por quantos
dias nos perdemos nesta prova real que é a vida.


Interessa sim romper
com o resto do tempo
que nos resta subtrair
no resto da equação
que nos falta resolver
                                   [a partir de nós.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

as nossas horas
















Era um género de essência oriental.
Um barco na deriva por descobrir.
A intimidade por tecer num olhar
[quase clandestino] humedecido
ao relento da noite
                             entre muros de prata.

Depois nunca existia amanhã.
Passávamos as horas a olhar pela janela
do fim do mundo na praça.
Reivindicávamos a nossa porção no pedaço
do território que nos fugia
                                      debaixo dos pés.

E era sempre tarde às nossas horas
e às vezes caía a noite
                                   aos pés dos outros.

domingo, 5 de dezembro de 2010

«rainy day»
















Na rua a melancolia de uma tarde 
quase perdida. A chuva efémera 
que nos empresta ao brilho baço 
das fotografias idas. Trazem-nos
de volta a um mesmo mundo pálido
& repetido (maybe lost – ou entregue
não sei bem – à largura dos passeios). 
Há uma combinação que se prende 
e confunde em nós. Imagens tão reais 
quanto mudas. Tudo parece passar-se 
– tão longe e tão perto como a nossa
própria vida. Tão perto e tão longe de nós, 
a quem o amor nada deve. Ainda o mundo 
& suas raras combinações de amor e silêncios. 
A inépcia que nos observa tão longe e tão breve, 
como a um todo resto de mundo perdido – 
a brevidade cinzenta no silêncio da noite.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

«it´s not too late»

















Queria saber escrever sobre a melancolia branca
e fina dos teus dedos. Grosso modo:
sobre a aleatoriedade mecânica do nosso amor.
O alcance firme dos teus olhos durante a pressa
da tarde. Mas fui escrevendo – como bem sabes –
sobre lateralidades – sob um cinzento frio na manhã
de outras coisas, aquelas que mais nos pareciam
perceber – sem legendas. Mas havia já uma pressa
alavancada à espessura da tarde que nos atravessava
diagonal, bem sei, [aquele lugar que tomamos
como nosso] uma espécie de pressa que foi
e não soubemos medir – por certo. Foi assim?
Pareces anuir tão bem no sentido quente e tímido
dos teus lábios. Adivinhava-te  – quase sem querer –
nos instantes seguintes. Quero antes dizer:
nos meses que nos antecipavam e sucediam depois.
A verdade é que continuei sem conseguir desvendar
por palavras a brancura lisa e fina dos teus dedos.
Tampouco o trato ou modo penetrado pelo teu gosto.  
Fizemos planos enquanto se ouvia Jeff Buckley, sabias?
This is our last goodbye» ­­ – ou «Lover, You Should've 
Come Over» [cause i feel] «Too young to hold on and
too old to just break free and run».] Depois eu disse:
- Ainda não é tarde de todo «baby», ainda não é tarde.

domingo, 28 de novembro de 2010

recurso




















Venho por este meio recorrer
ao âmbito natural das coisas.
Ao sentimento frio que nos recomeça
nocturno, desde o vazio da noite – nas ruas.
Um ou outro sorriso que gastamos
junto ao balcão de um bar
ou noutro cenário qualquer.

E nunca é tarde demais 
para distrair o medo, 
uma mesma direcção, 
uma mesma partilha 
a que chamamos: 
ânsia ou modo vida.

É urgente ditarmos as regras 
ao desalinho, é urgente cobrar 
às palavras uma ordem natural 
das coisas. Aceita-las como se fossem
só nossas, como se fossem a nódoa ou borrão 
de tinta no nosso papel, um recurso 
que recorre desta breve passagem.

Venho pois por este meio recorrer
   – nesta folha azul de 25 linhas – 
à jurisprudência que em boa verdade 
não existe. Ao reconhecimento 
que não procuro, diria mesmo que: 
procuro o consentimento que existe
entre o lume cruzado dos teus olhos.

Recorro pois deste limite cortante
que nos [de]fere a cada momento.
Ao esquecimento que se apaga junto
ao vazio de um copo, ao abandono
lento que nos sobra – neste recurso
perpetrado – junto à lisura do balcão.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

«sixtieth day»















Sessenta dias e sessenta noites.
Estômago à boca
madrugada dispersa
sede entregue às noites 
perdidas por quase nada,
dispersão dispersa e: nós.

Nada é como nos disseram ser o remorso 
de não ser uma conjugação plural.
Às vezes lento outras vezes rápido demais,
e o que é ser lento ou frágil no poema?

A fatalidade de um tempo redimido
às circunstancias de não ser?
As palavras que voam e não se inscrevem
na certeza da nossa incerteza?
Um cigarro que voa sem tempo 
de entornar cinza nas palavras?

No início éramos nada, não existíamos 
no espaço ou tempo plural, estávamos 
entregues – por assim dizer ­– 
ao cronógrafo seguro dos dias. 
Repito: iniciava-se – manhã cedo ­–
estômago rápido, ­ sobrando o resto 
à boca, uma espécie de forma ­– arrastada
                                                     [ao momento.
A carne desentendida aos pedaços.

Remato?
O que fica por dizer,
escrever, repartir? 
Recomeçamos o poema
a partir daqui?

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

«rocket - 7»


















Mudança de verbo
mudança de ritmo
mudança estilística
arrumação factual.

Assistir-te sem rodeios
admirar-te à distância
ocupar-me da existência simples
uma espera de outono.

As cores frias de inverno
as tonalidades quentes da tua boca
o vermelho que te sobra
«jukebox» aleatória tão certeira.

Levo-te comigo
onde quer que inexista
sem promessa de rumo
ou sequer regresso 

o verbo que foi.

sábado, 20 de novembro de 2010

desde o sofá
















São estes os dias do costume.
O papel de parede numa casa marcada 
por avanços e recuos, um certo 
desacerto ao nosso (des)encontro. 
São estes dias de chuva quem mais 
nos une. Quem mais nos revela 
incisivos  maduros & centrados 
às nossas focagens.

Olhamos de frente para as fotografias  
precipitamo-nos menos nos nossos 
planos, mas vemos sobretudo um 
ou outro desencanto – o cinza  
fulgente de cada dia – o fio 
cortante trespassado pelo tempo;
E voltamos ao limite metafísico 
do risco [o mesmo esquecimento?] 
    
           por onde
                        insistimos
                                         [voltar]
                                                    arder.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

«travelling light»













Foto: Samuel Fidalgo


Gosto, do preciso momento
ou nem tanto, dessa espécie
de partida para o desconhecido,
a servidão ao defeito, o corpo
mergulhado no vício, uma espécie
de embriaguez aos actos.
Às vezes fica tarde.

Ninguém entra no comboio
sem que deseje a viagem,
desconhecendo o destino
o esplendor verde da partida.
Fica tarde não o perceber.
É demasiado tarde para insistir
em pormenores menores,

desacertos incertos, coisas de partir.
Leva-se na bagagem a companhia certa
todo o resto: simplesmente acontece!
(Como terá acontecer, dir-se-à.)
Às vezes fica tarde para desmontar
o destempo daquilo que se não vê.
Mas gosto! Sobretudo dessa ida

ao encontro dessa certeza
de seres tu meu (re)partir,
ou antes: meu partilhar.

domingo, 14 de novembro de 2010

à varanda

















Um amor sensível.
Assim te plantaste à varanda
do meu coração.
Nunca te persegui, mas vieste assim:
tão nítida ao sobressalto dos olhos.
Sei bem que ainda não consegui explicar
aquele «flash» que me parou no tempo.
Estávamos num fim de verão, digo,
num princípio quente de outono,
onde crescíamos em contra-ciclo.
Impossível esquecer a evidência verde
no relance fugaz dos teus olhos.
Todo o resto latente pouco importa agora.
Mas respondo em concreto à pergunta
daquele sábado à tarde:
escrevo a raiz de um equilíbrio
que agora me alcança
à varanda.   

sábado, 13 de novembro de 2010

esta noite














Só a noite sabe deste nosso regresso 
a um mesmo desencontro; ao lado inverso 
dessas portas trancadas pelo aço –  
a metalurgia cortante – na penumbra 

do resto dos dias. Mantemos na pose 
no corpo erecto, a rectidão por onde 
respiram cabeças ­ blindadas – aos códigos 
esparsos dos outros. Há algo de errado 

nesta tarde, nesta relação de ausências, 
talvez por saber que apenas a noite 
nos reconhece sem filtros – e sabe 
que sempre volvemos para envolver 

no cimento as paredes dos nossos versos.
O olhar perdido na ausência do rosto
a sépia dispersa cimentada pela noite
são o resto das estrofes do nosso vazio.

E em jeito de remate, dir-se-ia :
fazes-me falta esta noite!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

avanço
















Dentro do carro vejo o avanço da cidade
num tom que retumba ao vazio.
Há uma quietude humana e triste apenas
irrompida pelos versos. Arrumadores de rua
esperam-me e aproveitam a minha deixa
para disfarçar entre legendas desse quase
nada que adivinho. E não há poesia que resista
ao vício, a este avanço tão objectivo para a morte.

Escrevo, não tanto o que desejo, mas antes
as costas do envelope perdido no porta luvas.
Sejamos claros: estes dramas não se lamentam
e em boa verdade não há razões em Kant
que expliquem conjunturas. Há mo(vi)mentos   
 – ainda que matematicamente ideados
destes psico-dramas-esquivos; e é ainda tão 
cedo para este avanço tão objectivo, penso.


É chegada a hora do nosso desencontro.
Saio e finjo na moeda não registar o momento.
É tão mais fácil fingir quando se não lamenta
esta crua expressão que se insiste re(vi)ver.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

«no sense»















Tarda o sono como a vida
nos retarda o coração
batimentos irregulares
dessas músicas repetidas
diante do nosso tempo.

Tarda o sonho e a memória
entorpece a decisão
fundamentos infundados
dessas palavras perdidas
e a sombra do que não fomos.

Tarda o dia como o astro
nos deturpa a direcção
pretéritos de um não-futuro
dessas ruas sem sentido
e o mesmo desassossego:

- de não termos um destino?

sábado, 6 de novembro de 2010

M.O. [1943]















"E quase gostas disso, quase: a música de punhais,
servil, um certo e procurado desencontro.(...)

O resto, a vida, fica para outra vez."
                                       Manuel de Freitas 

É-me tão difícil falar desse tempo Mário:
uma casa longínqua na aldeia materna
desfocada nos braços da nossa infância.

A eterna lembrança do aniversário que foi
uma espécie de desastre de emoção rara.
O peso da revolta entornada ao soalho,

a mesa quem tomba sobre as palavras loucas,
um fim de mundo vazio entregue aos ossos,
como a ferida que corre no fervor do sangue.

O equilíbrio perdido dessa pressa distante
e o quintal tão quieto às traseiras da noite
são a cepa estéril de um medo insuspeito

a fissura que seiva ao nosso desencontro.
E a mobília que resta nos restos da casa
é o baço mais baço no pó da memória.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

caiu a noite
















"Caiu a noite. E sopra um vento fino.
E não é já assombro 
assombro tal?"
                                               Ana Luísa Amaral 


Caiu a noite e “Próspero morreu” é tudo
quanto sabemos ao avistarmo-nos.
À sua morte há uma ordem que se finda
mas falta saber como – enquanto cigarros
se esfumam apressados – à porta e à hora
marcadas. Uma sala – decorada a livros –
é o nosso cenário. Na Ilha, Ariel anuncia
a desgraça como se fosse: o nosso último cicerone.
O abismo e a tempestade, o labirinto e Teseu,  
Ariadne e a pretidão de amor de Bárbara
[contada a preceito pela escravidão de Luiz].
Mas há outras vozes reais de outra gente real
que nos faz perder no tempo. Seguro a pauta
e perco o pé – duas vezes – sem o sangue
que ainda bate no coração frio de Caliban.
Transmites-me paz. Sabias?
Mas Próspero morreu e é tudo quanto sabemos,
e há outros amores e desventuras por contar
[o acto da peça que mais desconhecemos].
E há uma nova ordem {afinal} que parece advir dali,
sem perder mais o pé ou o equilíbrio:
Ariel regressa-nos, encerrando no pano
aquela voz: tão feminina e tão presente,
tão suave e tão.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

inconcreto

















Conta-nos agora desse teu sonho
de esquecimento, dessa manhã
parada junto aos canteiros de rosas.
A garrafa a boiar na mensagem.

O dia recomeça-se lento junto
ao fundo da incerteza que anoitece.
Acordar esmagado pela sombra
absoluta de um amor absoluto

ou a falta dele. A promessa frágil
de um verso sem voz nem futuro.
Acordar vazio num coração preso,
colado à transformação dos versos.

Conta-nos da tua mais profunda
lembrança, o teu maior segredo
informulado. Olha-nos sensível
junto à insensibilidade das mãos.

Olha-nos de frente para o resto
dos versos, conta-nos a verdade
que não dizes clara. Fala-nos de ti
dessa sensibilidade que escondes

a todo o custo. Será que receias
recair junto às desgraças do amor?
Esse amor terrivelmente devastador
um todo medo sensível que adormece.

E tornas a cair junto aos lençóis
dum não-futuro, à boca fria da noite.
Eu quero gritar sem que me ouças,
eu quero escrever sem que o sintas.

Não sei que caminho é este, desconheço
os dias que crescem para lá da maturidade.
Trago à luz da noite imagens de memória:
um travo doce junto à inconcreta reformulação

do que não somos: o travo sal da oposta
visão ao outro tanto que não temos.
Conta-nos agora porque anoiteces assim:
junto à madrugada dos teus sentidos.

domingo, 31 de outubro de 2010

«closing the shutter while it rains»















Vamos, uma caneta, um papel
e o vazio de uma lista inacabada
é tudo quanto te resta hoje
o calibre ou o movimento preso
na máquina [arrítmica] que trava.  

Não me contem mais desses vazios
lugares, desses mesmos passos
tão perdidos quanto os meus.
Sentei-me ao lado do fumo humano
como quem espera a quem não vem.


E era já tão tarde entre nós – entregues
à sorte e à sede mortal dos balcões
(líquidos de Outono) o mesmo rumo
ou avanço, a mesma direcção certa
rumo à incerteza. Na janela: a chuva


& a insónia capital a obtura mais fria
da manhã.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

há dias assim














Há dias assim, pouco ou nada podemos
fazer. Procuras pelas notícias nos restos
dos versos que sabes, não vais escrever.
Demasiada gente curvada aos céus, derrubadas
entre as agruras de uma vida? Quem sabe
quem somos ou para onde vamos?
Depois ajuizamos, bebemos do copo
a nossa insatisfação, fechamo-nos como
a outra gente sem rumo nem destino.
Não chove nem muda o cenário que voltas a ver
como a hipoteca da casa que não tens.
Se eu pudesse ser quem tu queres afinal, voltaria
para me repetir e ser eu mesmo, o mesmo que volta
para escrever à hora do jantar ou depois deste.
Não saberia mais respirar de outra forma ou,
tampouco tentei. Ligado às máquinas resisto,
mas insisto:
pouco ou nada há a fazer nesta casa, na cidade,
na marcação serrada que atalhamos nas imagens
dos versos dos outros. O gato que te pede por fim
a atenção que sabes, não vais dar a ti próprio.
E sabes tão bem disso, quanto é verdade na verdade
escreveres preciso o momento. E o não poema escrito
"neo-real", finge viver em ti, em nós, atados devagar,
no inexistir do agora, até que a morte nos separe.

Quem nos pode acudir de um dia assim afinal?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

vago
















Quase não dormes em ti.
O teu modo era uma sala
candeeiros meia-luz
a certeza no meio do nada

vago desconforto ao amanhecer.
Mas era vaga também a sala,
os tecidos cor carne, um veludo
fixo aos olhos. E havia uma luz 

de silêncio para longe e para sempre, 
a palidez rara no resto dias. Um respirar 
junto ao fundo, coração lento das palavras. 
E um fumo brutal travado lamento. 

Os olhos perdidos no rasto das sombras 
e o teu recomeço a cada momento.
A cortina fechada rasgada no rosto
encerra-se lenta a outra face de nós.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

frio

 


Oh não te vou mentir! O ar frio
trespassava-me os dedos rasgados,
orifícios na carne que não sentia.
A janela aberta e eu descalço
a olhar o vazio, o precipício na janela
dos outros. Este lugar não me pertence
tampouco o buraco que me separa
da fronte do resto.   

Oh! Como sinto falta dos nossos
recados escritos. Tínhamos dificuldade
em comunicar, lembras-te?
Uma herança que recebeste, dizem-me,
não sei bem. Sinto a falta desse frio
- longínquo tempo - o teu olhar terno
mas distante como o limite onde
esbarramos sem querer.

A nossa casa tinha um quintal
com flores e uma rara combinação
para amar. Em que nos transformamos?
Quem é este nós afinal? Consigo odiar-te
enquanto te amo, consigo embalar
o desengano de um sono que tarda,
segurar as mãos contra o rosto,
verter-me dentro do vazio em que fomos.

Não te vou mentir,
quero sair do poema agora,
não sou mais eu quem te fala,
sou a voz crua da distância
que nos desprendeu.
Sou um beijo de morte
que me afaga manhã cedo
o rosto mais triste e frio
da tua insónia.