AGOSTO 2010

cafésolo

sábado, 27 de março de 2010

ANIVERSÁRIOS DE MARÇO



Viajei pela minha juventude
em diversas crenças de verão
e outras alegrias.
Esses dias passaram-se
com manteiga e açúcar no pão,
como a avó fazia quando o «tulicreme»
estava no andar de baixo,
na mercearia da Dona Armanda,
onde a avó aviava dessas
e doutras iguarias.
Os dias tornavam-se longos,
apareciam enormes arco-íris
que nos pregavam (literalmente)
cabeças ao alto narizes aos céus.
Como me lembro de tantos outros dias
de outros tantos Marços de aniversários
que fui completando
na minha já vasta caderneta.
E o principio da rua a seguir
era já ali, bem à nossa frente.

quarta-feira, 24 de março de 2010

PURGA EM SILÊNCIO



Tinha já um nó no estômago,
quando me sentei numa das cadeiras
dispostas no meio do intervalo.
Digeri a triste realidade de ainda existir
alguém que desconhece a ida do homem à lua.

Na cadeira do terraço, voltei a ver
a imagem repetida de alguém
sentado no meio do pátio, talvez
distraído da sua estupefacção.

A música, iniciara entretanto um feixe ideário
«recording» imediata cena desenrolada
numa película tipo “filme”.
Acordas num zumbido que mora em ti

e ele, acolhe-te numa espécie de encontro fraterno
entre duas partes que se confessam.
Surgem-te depois outras imagens recortadas
em postas, duma poética que desejas perseguir.

Por isso fechas os olhos e alheias-te
dos sons e imagens que se repetem.
Nada havia a mudar ou consentir,
pois sabias ser esse o único condimento
possível, na purga do teu silêncio.

quinta-feira, 18 de março de 2010

NO FIM DA RUA



Aquela rua sem saída
albergava um lugar quase sem sentido,
onde uma espécie de papelaria
vendia diários em jornais e revistas de ocasião,

quase tão amiúde como tabaco.
Havia antes do fim da rua outras casas
que nos transportavam
nas mais estranhas visitas do passado.

Os típicos telhados ancestrais,
os quintais e as caleiras,
_____________[que hoje julgo já ninguém fazer caso
eram aspectos que antecediam
o que o próprio futuro nos ditava,

_________________ num infinito fim de rua.]

quarta-feira, 10 de março de 2010

ÂNSIAS MINHAS



Assim se mantinha acesa na pele,
numa espécie de combustão contínua,
como se fosse um cunho do meu «tino raro»
(que episodicamente me acompanha)
em cada desdobrar de esquina,
a cada tornear de página.
Reconhecia-a, sim, pelo seu bafejar
crónico mas remoto. Bastava-me fechar
os olhos e senti-la abraçar-me,
num gesto que repetia mas que
tampouco desejava.
Insistia porém

________________nesse olhar,
nessa perspectiva dilacerante
de quem não sabe esperar e troca
a certeza da ânsia, pela incerteza
do que poderá simplesmente não lhe «tocar».
Ultrapassava-me na minha própria existência,
sei que na verdade não conseguiria jamais alcança-la,
nem mesmo com a ponta dos dedos.
Chegava sempre tarde.
Percorria depois o estirão que ela me ditava,
e eu, seguia cego, as suas orientações secas
sem translinear.

segunda-feira, 1 de março de 2010

O FIM DO INVERNO



Olhava pela janela daquele quarto
num ar destemperado. Limitava-se a esperar
que as horas passassem a ser o fim da tarde,
onde ele se enrolava num charro verde,
agora sem a saliva dos dezasseis anos.
Aquele sabor misturava-se depois
com os ramos das árvores,
que pareciam direccionar-se
em estranhos gestos de louvor derramados
nas lágrimas que se curvavam sob os céus.
Inventara outros cenários daquelas tardes
semi-primaveris, descobrira-se a si mesmo
e a um tempo onde urgia alcançar
o acre sabor tinto, escondido no ventre
tanino de um vinho maduro. Depois, percorreu as largas
páginas doutros livros improváveis,
que mais tarde chegaria a entender.
A música que tocava, retumbava de um velho
e rudimentar leitor de k7’s,
que hoje nem sequer existe,
mas as k7’s essas, combinavam nele
como uma luva assenta na exacta medida
do frio entre os dedos.
O tempo passava irremediavelmente devagar
naquelas horas, àqueles olhos,
uma tamanha instantaneidade,
só hoje possível observar.