AGOSTO 2010

cafésolo

quarta-feira, 30 de junho de 2010

um ano depois



Um ano passa a correr.
Perdemo-nos
tantas vezes em planos inclinados
acertados
e outras tantas vezes
sobre o próprio plano
em que estamos.
Deixamos a segurança
de uma terra timidamente batida
e recolhemo-nos, tantas vezes,
numa espécie de casulo nosso
que se encerra entre nós
e as quatro paredes
de um peito virtualmente fechado.
Um ano passa veloz,
tão rápido quanto interactivo
dentro de um plano
que nos apraz ter.
Régio deu o grito,
o berro ou uivo negro
que ainda hoje me exalta
a sair porta fora.
Um ano passou
foi só mais um
o pouco que vale
num tão curto embaraço
duma prateleira vazia
sem a concordância das palavras
concordantes, amigas,
prostradas, esquecidas
no copo vazio que se esconde
no canto mais escuro da sala.

terça-feira, 29 de junho de 2010

laboratório teu


Um ano volvido de barbitúrico, leva-me a agradecer

a todos quantos sejam ou foram «meus» leitores,
entre amigos e outros envolvidos, num enorme abraço!


Tu
lembras-me as variáveis
que nasceram depois das hipóteses.
Controlava-las até à exaustão
dum laboratório em que tinhas
transformado a tua vida,
quase científica.

Eu
esquecera-me das leis de Newton
e de todas as outras razões humanas,
inventadas pela inflexão cinemática de existir.

Acordei depois, umas quantas vezes
inesperadamente contigo,
sem que na verdade existisses pra mim.
A verdade é que só mais tarde
fui percebendo que escrevia as páginas
de uma vida que acreditava vazia.
Escrevia os indícios dum princípio
que talvez não coubesse num qualquer registo,
duma qualquer outra razão ou lei razoável,
que pudesse deitar por terra
o embaraço da tua ciência.

O único recado que me sobrara
em conclusão
ditava-me um ínvio caminho
onde os nossos amores
e as suas materialidades
tinham deixado de o ser
bem lá atrás
o passado entardecido.

sábado, 26 de junho de 2010

Verão passado


"E se a conversa os põe em perigo, ele ri-se muito e gaguejante
Diz-lhe: é bom ser teu amigo mas igualmente bom ser teu amante"

«B.Fachada»

Só tu, sabes ser assim
tão bem.
Sempre adorei
esse teu ar de simplicidade mesclado
nesse teu véu
que usas metropolitano
de moça moderna de cidade.
Desde o nosso primeiro e tão simples
trautear conversado
sentado junto à guia do passeio
no verão passado.
Fomos indo e voltando
no saber dos meses
cigarros e outras estações,
como se das velhas capitais da europa tratássemos.
Tu sabes tão bem
que em pouco ou nada
os anos fizeram alterar
o nosso conceito de amor
nem tampouco
outras convicções.
Tu escrevias um poema assim
só porque existias e respiravas
para além das músicas
que sempre me acompanharam.
Tu sabes tão bem
ser assim
tão simplesmente mulher
e como tão bem te entregas
nessa tamanha simplicidade
de tão bem o saberes ser.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

23 para 24



Podes observar melhor o Porto,
quando o percorres, ruas atoladas de gente
na noite mais popular de todas.
Conto-vos um segredo:
se a cada interacção «martelada»
desejares sorriso convincente
"um bom são João"
todos te agradecem a «bênção».

Aprecias d'outra forma as vistas,
as fachadas mais vistosas de uma cidade antiga,
desde a ribeira até são bento
(a tua próxima saída de regresso a casa).
Há ainda um montão de gente
que aguarda vez
na maquinal fila andante.
A fila não anda, mas antes desespera e tarda

demais.
Alguém, ainda encontra a firmeza
para despejar os ânimos entre as mãos
e um frenético martelo gasto pelo uso plástico da noite.
Despeja aquilo que parece ser uma compulsiva razão
que ninguém parece ter tempo para entender,
desde a passividade impaciente da fila em qu'estão.
Deixas para trás o teu objecto interactivo

numa noite esboçada em sorrisos
e apanhas o metro de regresso a casa.
Ligas a «máquina de escrever»
e relatas o ensaio que julgas ser
o mais relevante contar.
Nasce o dia, é são João,
ou antes - o pretérito tempo ido -
já se foi.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

frágil coração



Que raio!
Não havia imagem
no espelho
hoje pela manhã.
As coisas turvaram-se
à minha passagem
permaneceram inertes
e pousadas entre as mãos
frias da casa.
Quis dar o nó na gravata
que na verdade não uso.
Jogava sim na merda dos limites
dum ponteiro acelerado,
que me comia fragmentado
ao pormenor.
Queria ter-me abstido de ti
no exacto momento em que te vi.
Desejei-te depois
entre botões
numa maior sorte
que a minha.
Pintei-te no segredo
dum quadro guardado
em voz baixa.
Talvez por nunca te ter achado
junto das cores
do meu frágil coração.
Nunca chegamos a ser
o que tontamente
nos «magiquei baby».
Um dia vingo-me,
compro um peixe
e dou-lhe o teu nome.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

meia palavra amiga



Trago uma dor entranha
que me castiga a partir das costas,
desde o sofá até à banca.
Parece que esta lâmina me rasga
precisa
num ágil corte
desd'a frágil cervical até à lombar.
E tudo parece é ter mesmo
que andar;
tal como o lixo caseiro
que caseiramente produzimos
mas precisamos expulsar rapidamente,
como se nunca o tivéssemos tido
ou sequer desejado
desde o início.
Sei que preciso trocar de posição,
mas aquilo que consigo ter como certo
é que é essa mesma posição
que me vai acertando
afiada
numa espécie de alerta
duma meia palavra “amiga”.
Em vez disso
permito-me acertar
olhos-nos-olhos
com uma certa conivência dum:
poder morrer devagar.
(Só os outros, os tolos,
é que acreditam
e vêem o amor nos pássaros
que lhes cantam a cada manhã,
em cada centelha certeira,
harmonizada com as tolas frinchas
_______ [da minha persiana.)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

"big indian girl"


_____________________ To the: "Big Indian Girl"

Inocente, assim era o gesto,
a sua voz que cantava
em tom estranho
numa diferente forma de existir.
Uma harpa dedilhava o caminho
conhecido de cor, de memória em memória,
de tolice em asneira
e pálpebras encerradas.

Era esse o teu caminho
tantas vezes travado,
sem reflexão nem espaço
para existir [que te travou.
Ficaste fechada pelo trinque
do teu postigo e eu, fiquei
por fora da tua ingenuidade.
Encontrei outras pedras

pisadas pelas meditas mais antigas
da rua das Camélias (sem número).
Pude mais tarde vestir
o cheiro que inundava o meu querer
de imensos e atolados odores.
Transmitir-te uma espécie de melancolia feliz
(se é que ela existe) era o todo nada
que deixou de existir em mim.

Não cheguei a falar do piano que tocavas
numa imagem de luz branca
e cortinados lançados sobre o ar
quente e abafado na cidade.
As janelas grandes e abertas
trazem-te de volta a memória
das gentes de voz rija, agridoce,
num ardor vivo de mercado
_____________________[oriental.
O poema acabou assim,
sem adeus nem doutros afins.

sábado, 12 de junho de 2010

«Moleskine»



As palavras eram à altura
o meu maior remedeio.
Sentado numa esplanada
dum quase verão qualquer,
tentava o fácil alhear
aos restos de vida
que me tocavam em sorte.

Munido de um bloco de notas
comecei por garatujar
tudo quanto via.
Mas não, em boa verdade
não trago aqui esse relato.
Aliás, escrevo as antónimas
formas inesperadas acontecidas.

Havia uma Mulher e uma criança,
que me iam distraindo
numa desordem existencial.
Apareceram as primeiras gralhas
ou melhor, gatafunhos mesmo
[fundidos contra às brancas
páginas do bloco].

Encerrei-o.
Voltei à casa sem voltar
a tomar nota.
Não havia nada de novo
pra inventariar desde lá.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

desfigurado



"Something happens, and from the moment it begins to happen,
nothing can ever be the same again."
[Paul Auster]



Sentia o rastilho de uma vida
presa aos restos de uma imagem
rouca, de rosto [desfigurado.
Nada acontecia; havia porém na rua
amores soltos em saias presas
de rotinas agastadas em transportes públicos.

Depois, expandia-me facilmente
como uma bomba de electrões caseira
e ria-me sozinho
das alusões a que me conduzias.
Ria-me do medo que ignorava
um parco frugal cenário acontecido.

Ria-me, mesmo que não houvesse
real graça ou vontade de rir.
Enquanto distraído,
passaram-se os anos em nada.
E desse gradual dado acaso,
pouco ou nada registo
_______________ [desfigurado.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

vacas &m cordas



«CowS & Strings»

Lançavam-se as cordas às vacas
ou as vacas nas cordas, não sei bem,
a coisa prometia em Ponte de Lima,
algazarra e uma noite de caravana
longa em copos soltos noutras cordas,
esquinas e outras guitarradas.

Havia no Porto um outro projecto
de noite (mais serena, penso)
um sugestivo churrasco
entre amigos e vinho tinto,
orquestrando um puro jogo de mãos
numa alternada ocupação circunstancial.

Numa o néctar vindo dali,
noutra o carolo de pão
ou um cigarro (de ocasião?).

Depois, foi a cinza
que me distraiu a escrita,
turvou-se-me no texto,
ou espécie de ensaio
sobre aquilo que seria
o resto da minha vida.

Vacas )( cordas,
ou o invictus vinnus
nunca antes vencido?

Pouco importa,
um dia escrevo esse poema,
ou os dois, quem sabe.