AGOSTO 2010

cafésolo

sábado, 28 de novembro de 2009

PAPEL



Papeis recortados
pequenos pedaços de papel persistiam
existir sem textura visível, perceptível,
palpável, numa extrema sensibilidade
dos dedos agora entremeados [molhados em ti.

Percebi também que o meu papel
o meu desejo de ti,
o teu cheiro que percorri até às entranhas
renascia a cada manhã,
em cada exalação compreendida, prolongada.

O tempo projectava-se em seu papel fulcral e nós,
sem que déssemos conta (ou fingindo simplesmente
não lhe dar importância) seguimos imbuídos
em nossos papéis, ignorando simplesmente
os outros papéis cobertos de entrevo.

Apenas o nós, o nosso papel, fazia sentido.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

REGRESSO



As quietudes na casa relembram-me outras
cores, outras músicas de outras noites,
que sempre regressam, após cada dia azul
tornado noite deslustrada, dum inevitável vinil
________________________________ [ vazio.

Regressas a ti, sempre que as sinapses
se imprimem e vigoram como o sangue
que corre por entre vestígios memoriais,
[com que vais mantendo a tua respiração

uma espécie de caderneta ou livro branco
onde inscreves aquilo que és a cada momento
a cada segundo que passa. Naquela loja
do campo pequeno, sabias que o silêncio

era um mero episódio,
igual a tantos outros repetidos,
em imensos e difusos anos,
manchados pela tua inércia.

Havia poemas ansiosos
para emergir do nada,
como se precisassem do oxigénio que respiras
[como se dependessem apenas de ti.

Depois regressamos, exaustos mas fortalecidos,
por entre conversas que despontavam como cravos
de Abril. Sabíamos que voltaríamos a escrever,
a rebuscar as palavras certas,

a reencontrar esse refúgio silencioso,
como se fosse ele o único companheiro
dessas mesmas quietudes tão cúmplices
dum mesmo regresso a casa.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

AMNÉSIA



Sinto vontade de dizer,
mas calo acordado
nas desoras que voam
e me trespassam.
Sinto um querer
que me baralha
e avança
destemido
numa solidez
que me fortalece
e derruba
em simultâneo.
Sinto que me esqueço
também desse mundo
que me encara
e julga
confrontando-se
em mim,
numa luta irreflexa
sem ringue ou tapete.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

AMOR



Quando os vocábulos não bastam,
que dizer? Não dizer nada?
Dizer tudo de uma vez?
Deixar simplesmente que um abalo
sísmico tome conta de nós?

O que sobraria de um nada se eu
nada te dissesse e, que transpiraria
na sombra de um todo, se tudo te contasse?
Se dirigiste a robustez do meu olhar
em partes contíguas
acidentalmente separadas,

existem prescrições para o Amor?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

AMANHÃ, PORVENTURA



Sentia as palavras de outrora frágeis como
que presas por fios que fui desmontando,
estourando um a um, esmigalhados por um tempo exacto,
num texto exacto que me invadia a mente.

De toda a chuva se fez sol e, de todo o sol
nasceu aquela água desejada, onde nos passeamos
tantas vezes, sem que a palavra destino
ou sequer parte incerta, fosse a certeza

que nos lavava o rosto.
Nos resquícios desse tempo
que ainda nos faltava viver,
do nosso mais puro desejo

às saudades que pareciam mágicas (no meio
de uma tempestade marcada em palavras
chamadas espera), fomos crescendo e juntando
peça a peça todos os pedaços do nosso todo.

Todo um posfácio desse texto,
dessas palavras contidas, ficarão por escrever,
por viver noutro dia,
amanhã, porventura.

sábado, 14 de novembro de 2009

MUNDO DE FOTOGRAFIAS



A vida era uma caixa fechada,
entorpecida até, outras vezes
corria fugaz repleta d’ocorrências,
e eu, observava todas as movimentações
que pairassem diante dos meus olhos,
muitas vezes até as próprias sombras

dos pássaros contra as nuvens.
Depois existiram dias repetidos
de uma mesma colecção
[dum inverno fora de estação
onde eu habitava alheio à minha morada,
que pretendia escondida, na minha sombra.

As fotografias que me restam
são escassas, definham agora diante
sépia esbatida, que morre na sombra
de outros fotogramas intensos, coloridos.
Morre agora também esse medo maldito
do nada ter e nada ser, porque afinal

o meu ser
___________também se partilha.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

IMUTABILIDADE



Conseguias ver a luz daquela esférica noite
perfeita, reflectida na janela do escritório
pela lua cheia. Os sonhos que tinhas acordada
fluíam-te depressa até à extrema do nada,

onde as coisas deixavam de ser quem eram.
Quando regressavam do vazio, deixavas simplesmente
que poisassem sobre os ramos nus das árvores
em frente à janela. Os dias estavam frios,

não se viam indícios de vida, de movimento.
Esperavas tranquilamente braços poisados
na secretária, como se toda a imobilidade
presente fosse orquestrada pelos teus dedos

[diante dos teus olhos

a imutabilidade não te inundava por certo,
antes te agitava aquela espécie de isolamento.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

«ARRIVALS»



A meio da manhã, teu regresso nosso abraço,
chove lá fora, os sons param, a imagem lustra
e tu, trazes um brilho expresso que irradia
e se mistura entre a confusão instalada dos «arrivals».

Saímos em direcção a nada, encontramos
junto a nós o tanto que procurávamos e,
com os olhos à face da estrada, seguimos
em direcção à linha do horizonte que

atravessamos instantâneo. As horas deixaram
de ser horas, a maresia devolve-nos espaçados
odores e outros cheiros que trocamos sem que
déssemos conta, estávamos apenas entregues a nós

naquela tarde, apostávamos tudo em cada ronda,
numa espécie de jogo onde nada tínhamos a perder.
Apenas o teu rosto se mantinha igual ao das fotografias,
tudo o resto eram meras fotocópias, de um local sobejamente

desconhecido.
______________E nós?

domingo, 8 de novembro de 2009

NATUREZA HUMANA, A TUA



Coleccionas os pedaços estilhaçados
daquilo que te vai soçobrando, mas dessas
fagulhas imensas tens a peneirar outros
movimentos, outros gestos que não

dependem apenas de ti. Igual garimpeiro
de Ouro Preto, que procura sustento
não no material ouro reluzente,
mas na essência da sua necessidade

pró-humana de resistir, sobreviver.
Deste-te conta desse emaranhado escrito
que vens registando e, julgas saber, ter
ou possuir as fórmulas dessa alquimia

predestinada, enquanto tentas decifrar
a cada instante a tua composição e a sorte
de uma receita que te cabe.
Sabes, a tua luta é na verdade a tua própria

descoberta, a desmistificação fantasmagórica
daquilo que imaginas ser e talvez não sejas.
A tua luta, é tão feroz como a aflição felina,
de umas garras ameaçadas, num cenário

mergulhado em palavras, no risco tóxico,
impregnado & semântico de um léxico
tão comum (afinal) da tua:
____________natureza humana.

sábado, 7 de novembro de 2009

RARAS ESPÉCIES


foto de: Magda Rosa

Eu, era o único estranho na sala, não se podia fumar,
mal consegui escapar aos abundantes tiques
que me trucidavam no tambor do peito,

mordiam-me os lábios secos, como se os beijos
caíssem roubados, sem sumo, tu continuavas a ser tu,
distribuías conversas como se estivesses no auge de um

bluff na tua mesa de poker, as pessoas olhavam-me,
eu podia sentir aquele palmilhar que me percorria como
humidade entranhada nas paredes finas e frias da consciência.

Era tarde por fim, a música deixou de entrar equilibrada
e nós, saímos juntos mas separados em razões,
oh como éramos jovens nessa altura, de um tempo

em que as faces se rosavam por tudo e por nada, quando
por nada sentíamos um ténue mundo desabar debaixo dos pés,
por entre palavras aguçadas, de um fervor destemperado,

onde o ângulo oblíquo traçado era o ciúme de quem não amava,
mas antes, julgava fechar algo seu, nas sete chaves de um peito
inexperiente, reconhecendo tarde a derrota naquelas batalha

perdida desde o ínicio. Percebi porém, o quanto cresci naquela
sala e, daquela noite percebi também algo que julgo saber hoje:
existem exactos momentos para explorarmos o amor,

distingo-os agora: esse amor «de sofá de trazer por casa»
(que se vive na altura certa) do outro amor,
mais espesso, verdadeiro, raro, dispendioso e matreiro,

que se cultiva como o mais laborioso horto, repleto das mais
raras cores e espécies, que murcham, ao sabor das estações,
às mãos dos mais desatentos e desiquilibrados jardineiros.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

FEITIOS & BOTÕES



se me lembro? mas é obvio que sim:
- desfia-me! respondi-te eu naquele
tom desabridamente afirmativo

tu encolheste os ombros e esboçaste
aquele sorriso típico de quem iria anuir
passaram-se meses, anos, décadas?

talvez
eu continuei igual a mim mesmo,
teimoso, ríspido, fugaz, melindroso?

no fundo, ia tapando com a manta
as fragilidades que foste destapando,
pouco a pouco

depois, ecoaram
[tantas vezes
na minha cabeça
aquelas conversas tidas
[horas a fio
sem que produzíssemos
[sumo algum

só agora comprei um
espremedor plástico
que ainda tenho
[por estrear

- não mudas nunca!
[sussurrarás tu com os teus botões.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

NOVEMBRO ARREFECIDO



Ela, vestia o corpo nu numa camisa
masculina, desabotoada como se
fosse um robe, percorria os armários
descalços de uma cozinha desconhecida.

Ele, acordou no estridente ranger
metálico dos tachos, tornou imediata
a prossecução do código sosssego
num ideário decido entre pantufas.

Nela, sobressaía um sorriso, julgando
a sorte indagada tantas vezes; nele,
a enorme vontade terminal da variável:
impasse. Cruzou-se o sorriso com a

sisudez desgrenhada da manhã, ainda
permeada numa barba a desfazer.
O choque enérgico evidente alimentou
as lâminas cortantes do ar atmosférico

de um Novembro arrefecido.
Ela vestiu-se à pressa e bateu seca a porta,
ele sentiu o consolo aliviado num chuveiro
improvisado. Estudou, reviu o filme e saiu
com seu resoluto & monocórdico ego.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ESPLANADA



Esplanada oceânica, léxico e língua,
código hieróglifo de ocasião.
Ele não entende, prefere arfar
e decidir-se no: «menu à la carte».
Depois, apaga um cigarro
raso à beata
e tu
travas plangência & prevês
pra mais logo o cloreto
no sódio das lágrimas.
Mas não, não desejas que se note,
«not now», não desta vez,
preferes ranger a ruir,
o tudo ou o pouco que te resta.
Em dignidade
_________________preferes:
um leve pastel e chá verde.
Respiras;
olhas em volta sem observar,
recostas-te no vime seco
_________________[da esplanada
desabafas em tabaco,
concluis desligar emissão.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

RETRATOS ANTIGOS



Na cómoda mais antiga, do quarto dos
fundos na casa da avó, sustinham-se
retratos de certas existências antigas.
O avô, com seus óculos extra graduados,
era uma das minhas imagens de culto,
exibia uma pose pacata, transmitia-me
a quietude, que nunca cheguei a entender.

Gostava de contemplar por alguns minutos
o nu preto e branco daquelas fotografias,
exibiam-se em acertados contrastes de luz,
centrados em pormenores de existências idas,
despojadas de vida. Havia depois outras fotos,
"modernas" onde se tornavam patentes os primeiros
passos dados, pequenas pigmentações de rebuliço

e cor nos retratos. A avó com uns curiosos óculos
verdes «fotogray», mais um neto ao colo, os primos
de Vila Real mais o tio [com um inédito bigode],
perfeitamente perfilados nas escadas defronte e,
meus irmãos apanhados em repentinas poses.
Curiosamente, não me recordo ver nesses velhos
passepartout’s” com retratos antigos. Talvez por
não prestar à data, a verdadeira atenção à minha

própria existência

quem sabe
seja ainda tenra
esta minha memória ------------existencial.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

RESERVA & (IM)PROPRIEDADE



Reservo-me ao direito do não protesto,
pelas saudades de outros domingos assim,
numa reserva de silêncio, sem bucolismos,
antes um ode à cessação de ruídos vividos,
horas imediatas, numa paisagem «lounge»

bar, noctívaga, citadina [quando a noite
acaba em dia e tudo por fim se tolera].
Chovia-me no corpo mas não me molhava
verdadeiramente aquela água de S. Bento,
aparcava-se antes na mais pura certeza dessa

impropriedade de consumo. Depois, reservei-me
ao direito de respirar, mesmo que os dias acabassem
tarde e que todas noites não tivessem mais fim, mesmo
que os meus olhos pressintissem vontades que não cobiçam,
desejando antes outros desamores inconfessáveis, imoderados,

--------------------impossíveis de encerrar.