AGOSTO 2010

cafésolo

quinta-feira, 30 de julho de 2009

CRÓNICA DE UM CAMINHO VELHO



Antes, o silêncio foi o embaraço,
a branca sem bronca,
o medo aterrador na falta de assunto,
uma morte anunciada sem fim à vista.
Hoje, entendes que ele faz parte de ti,
é o sossego que esperas na opacidade da noite,
a almofada mole em cama lavada.
Percebes que preenche paredes e tectos na casa,
é uma espécie de oceano que deambula
pelas divisões pé ante pé, onda vai onda vem.
No silêncio, prendem-se desejos de um destino imperfeito,
ganham-se rotinas nos vícios que não se desprendem,
e tu, apesar de tudo, sentes-te confortável nesse romance

cujo términos não dominas. As tuas mãos pedem o aconchego
desse amor errante que sabes, chegará num trote ronceiro,
rompendo com esse reino mudo que julgaste ser o pó
inquietante e sobranceiro.
Depois, toda a ânsia será vã, todos os silêncios serão castelos
no cimo de uma colina a que chamarás de alucinação.
Sentirás o suspiro que dilacera o peito e roga pelo mar que perdeste.
Silêncios que excomungaste, como se de águas se tratassem,
de um qualquer ribeiro bravio, agora esquecido e extinto.


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quarta-feira, 29 de julho de 2009

« ONLY WE KNOW HOW »



____________________ Para o João Mascarenhas (Joka prós amigos)

As setas indicam o sentido, vou à “descoberta” dessa livraria
rara e vadia, como um gato sem cama onde pousar.
Entro nas galerias, percorro os cartazes da vertigo store,
mas antes, reencontro um velho amigo,
daqueles que nos acompanha desde o tempo
que os grilos reinavam em recitais de verão.
O tempo voa, constatamos.
Não estamos carecas, é certo, mas é inegável perceber
que longe vão os tempos daquela
“guerra” de ameixas no teu quintal.

Hoje sei, que esses momentos que vivemos numa infância
longínqua, nos consolidaram, nos fizeram identificar com as raízes
que comungamos de uma mesma terra que nos viu nascer.
Sinto saudades desses tempos, em que entravamos na tasca,
afastando as fitas (espanta moscas) em busca desse laranjada
ou gasosa refrescante, servida a granel pela garrafa,
que muitos nunca saberão o que significa,
a não ser pelas histórias retratadas desse tempo.

A nossa biografia corre e vê-nos crescer atentamente,
olha-nos de frente e faz-nos sorrir, no reencontro
de pontos de vista e outras afinidades.
Para nunca, ficarão esquecidas aquelas noites
dos jogos de mímica, das risadas que nos colavam
os estômagos à boca escancarada (no jardim municipal),
até altas horas da madrugada.

Sabes tanto quanto eu que a vida é isto, que não nos resignamos
a encolher os ombros, ambicionando sempre mais do que apenas
um acrescentar de anos à nossa (porque não, já) remota carcaça.


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segunda-feira, 27 de julho de 2009

OCASO


Tens a pele tenra e macia, tingida num moreno escuro,
o teu tom de diversão chama a atenção,
mistura-se entre a espuma do mar
no enredo com a areia fina.
Sente-se o eco de uma melodia que parece
perdida no refrão de uma letra que se desconhece.

A tua expressão nua e crua, não cabe mais aqui,

alguém calvo e branco como os lençóis de verão,
medita num local sem sentido.
O declínio do sol é evidente
e só a mais resistente das rochas ainda respira
sob o tumulto das ondas.
Dispersa-se o resto da gente,
que voltará certamente, para repetir
uma e outra vez essa dança lenta
que lhes assa a pele.
Revejo o filme vezes a fio, talvez o pequeno pássaro
ainda coubesse aqui, mas o seu ar célere
levou-o para outras bandas sem que se desfizesse

a dúvida da sua pretensa fragilidade.
Nada mais há para contar na madrugada,
degola-se o discorrer no ocaso,
no aviltante pavor da escuridão.

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domingo, 26 de julho de 2009

UMA PARTE DE NÓS



É incrível, passei parte da minha vida em ti,
num espaço único, um lugar quase surreal.
A praça revela-se como um género de triangulo irregular,
todo o cenário é dominado pela tonalidade de milhares
de pedras, que vão desde a calçada central,
até à estrada que a circunscreve, em paralelos tom cinza.
As pedras são toscas e esbatidas, albergam todo
um corrupio, marcado nas diferentes formas de vida.
As casas estão dispostas numa conformidade
familiar impressionante, uma dezena de árvores
frondosas e bem cuidadas compõem o adorno
com que vestes a tua vaidade.

Fazes lembrar uma dessas praças centrais
de uma qualquer vila do interior,
sempre tão pitoresca e característica,
no entanto, todo o teu espaço respira mar,
desde as peixeiras que aqui assentam suas bancas,
às gaivotas, que se entretêm no movimento das tesouras,
manejadas no reboliço da amanha do peixe.

Quando te observam pela primeira vez, em nada fazes
suspeitar que tens o Douro a teus pés,
o amor devoto das pontes e a folia do movimento
com que transpira toda uma cidade.
Para muitos continuarás a ser um zona esquecida,
apenas relembrada pela localização familiar.
Para outros serás um lar, o bairro nuclear,
fogo de artificio de um São João popular,
a feira da "vandoma" do negócio urgente,
lição de vida e conclusão ausente,
talvez de um tempo perdido, ténue e fugaz .

E se da praça algo fica por contar,
outros virão, que te observarão,
num outro olhar terno e meigo,
brusco e fusco.

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sexta-feira, 24 de julho de 2009

« The Fire Fox »



Um bafo quente, vem com a precocidade da noite,
nós, estamos também prontos a arrancar noite dentro,
fazer de conta que experimentamos pela primeira vez
uma recolha tardia a beijar a aurora boreal que juntos
imaginamos ver, no caminho de casa.
O jogo de sedução avançou de mansinho, foi inventando
diversos assuntos, de diversas unidades temáticas,
sabíamos ser o papel de parede, com que fomos
forrando milimetricamente o espaço e o tempo.

O caminho para o bar é rápido e instantâneo,
enquanto sentimos o peso dos euros
na algibeira que não usamos.
De todos os assuntos esquartejados,
apenas a morte não mereceu seu destaque.
És agre e doce, a saliva que ganha uma espécie
de azedume por não ser partilhada.
Não prestas e ficas só, nesse teu domínio
copioso mas imperfeito.

A luz do dia ganha terreno na sua previsível alva,
perfeitamente encadeada no orvalho, que não sobrevive
na claridade dos passeios, das casas e jardins,
por entre caminhos onde confiamos os passos
pausados e cambaleantes de um destino que se adivinha.
Prometemos no próximo verão ir à Lapónia,
(num desses voos oferecidos por uma companhia low cost)
fotografar o revontuli ou o "fogo da raposa"
(conta a lenda, seria provocado pelo choque titânico
das suas caudas com os montes de neve,
provocando com esses golpes certas faíscas
que se espalham estranhamente na imensidão dos céus).

Nada melhor que o fascínio de um beijo rasgado,
um momento inebriante que acelera
o rápido latejo do pulso que avança,
numa caminhada longa, de pura ascensão.


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quinta-feira, 23 de julho de 2009

NADA DE NOVO



Eu sei. Preciso desse advento,
dessa notícia que não chega,
na quietude ensurdecedora,
do grito dos trocadilhos.

Sinto o calafrio na espinha
o pavor masoquista de quem
não controla ímpetos e impaciências,
deduzidos da variável solidão.

Os pensamentos são incertos,
tornam-se angustiantes até,
o queimor que vive no estômago
rivaliza com as variações irreflexas
de uma mente, que (ao que parece)
não sabe cuidar.

Vou passar a fazer o que dizias ser a solução:
Não pensar.
Esquecer que existo, viver na franja da noite,
saciar o núcleo da personalidade
afogando-o na flacidez de mais um copo
que se degusta, sem oposição.

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quarta-feira, 22 de julho de 2009

CAMA DE REDE



Chove dizes tu, despedaça-se a cama de rede.
Olho pela janela em pleno Julho,
ainda não chove aqui, mas o vento
já se faz sentir nos terraços, sei que a ameaça
de que falas está prestes a fazer-se convidada
por estas bandas.

Trocam-se sons interactivos, puro bom gosto,
resta deixar fluir essas massas gasosas que desejam
ardentemente transformar-se em estado líquido
com que nos brindam nesta noite ao acaso.

Fazem-se promessas, dedicatórias
que só tu entendes enquanto os cigarros se despedem
de ti, a tua ânsia cresce, como se de uma criança
se tratasse, no paralelismo perfeito que assenta
na desenvoltura natural
de uma panóplia de ossos e músculos.

Vaza um e outro copo, num tipo de descarga
emocional que ultrapassa todo e qualquer
sentido que se possa fazer notar.
Tu sabes do que retrata aqui afinal, a tua astúcia
é condizente com a tua figura, e só tu finges
não querer entender o seu contexto.

Shall we dance?


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« COGNAC » A RETALHO



O balão redondo poisa na minha frente, vem farto
em «cognac» envelhecido em casco de carvalho, tudo é
aparentemente trivial, não fosse a barriga do copo ter
sido carinhosamente esquentada no vapor.
O perfume que inalo é inebriante, asqueroso aos olhos
dos mais tenros certamente, mas também eles terão tempo
para crescer, tal como este «souvenir» tido quase ao acaso.

O cigarro, é um pormenor, o paladar do liquido francês,
faz esquecer toda e qualquer angústia que nos apoquenta,
emerge das defuntas taças um sentimento de grandeza,
quase inexplicável aos olhos de alguns, sábios e devotos
seguidores dos falaciosos presbíteros que se encontram
em perigosa descensão.

O momento é mágico, as horas não sobrevivem,
o espírito esquece-se das feridas que lhe mordem
os sentidos, o sangue corre para o seu destino como nunca,
a ânsia desse prazer (quiçá imperceptível) extermina
as réstias desse líquido, ferindo mortalmente
a veia que lateja esta trampa de poema.

Volto mais logo, «who knows»?



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terça-feira, 21 de julho de 2009

HOJE À TARDE, FOI ASSIM



No ar reina o pó que se respira das lojas,
invade sem premissa nem piedade os transeuntes
que se passeiam de semblantes carregados.
Em cada rosto há um poema que deseja ser
declamado, com a dignidade deprimente da morte.

Os artigos estão quase desprovidos do brilho
que outrora os colocou na ribalta da montra,
na primeira linha de fogo das prateleiras
essa mesma à qual voltaram. Encontram-se prostrados,
mas ressuscitados dessa passagem longa e fria
pelo porão escuro e tenebroso,
a que vulgarmente chamam de armazém.

Sente-se esse odor esbatido do mofo,
no ar rarefeito que respiras, as pessoas
preferem fingir que não dão conta,
preferem continuar nas suas vidas,
alimentadas em revistas,
preenchidas em novelas onde projectam
a sua existência nos braços ardilosos
de um qualquer galã, um amor fraude,
à noitinha depois do jantar.

É tão bom sair à tarde, sem ter nada de especial
para fazer e perder tempo a observar que vai e vem
género formiga no caos da cidade.

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segunda-feira, 20 de julho de 2009

HERANÇA DOS DIAS



Ficaram cravadas essas energias idas,
milhares de existências pareciam compactuar
na libertação de fluidos em forma de fumos,
um vapor que se desprendia dos corpos
em aparente combustão.

O corpo parece não querer responder, vive numa
sintonia compactuada com o ego, saudosismos
de um memorial transformados em cromos de caderneta
que se colam nesse velho livrinho género almanaque.
Coleccionas religiosamente esses momentos que julgas
serem os mais felizes desta tua passagem intensa e extemporânea.

Sabes que não existem receitas possíveis nesta miragem.
Acalentas resistir à pressão deposta sob um esqueleto
moldado nesses fragmentos sucumbidos na luz dos dias.
Apenas a tua índole se mantém intacta, sem mazelas,
ressuscita em cada pulsar desse motor efémero,
em cada olhar trocado à custa do acaso,
no instantâneo reencontro das pretensões,
supostamente herdadas e colhidas em tempo útil.



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sábado, 18 de julho de 2009

FOCO DE LUZ



Disparam flashes que captam a tua essência,
tu, vibras num tom de engodo uma cor quente
com que envolves teus gestos, rápidos mas seguros,
numa perfeita harmonia biomecânica.
Quando sorris incendeiam-se prazeres,
derramas uma luz que vai escorrendo pelas paredes
desta sala de hotel.
Resvalam outros sentimentos em caminhos de terra batida,
o tempo, parece convidar-te a ficares nessa pose,
numa sinfonia esbelta que se emaranha na decoração
escondida atrás do teu corpo, que sobressai.
Antes não passavas tão perto, o teu clarão, não se sentia aqui,
a novidade foi posta a nu no instante
em todo o silêncio se rompeu, rasgado pelas notas trautea
dasda tua partitura.

As minhas imagens são como fotogramas monocromáticos
que se transformam no veludo dos cortinados sóbrios e pesados,
de onde se espelha o traço com que agora inicio
a litografia lascada em pedra de cantaria
acinzentada pelo definhar do tempo que voa
e parece vazar numa dimensão inebriante.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

SEGREDO




Vou-te contar um segredo…
Que há muito te quero revelar,
tenho vivido num sonho acordado,
que me traz inseguro e cansado,
não busco certezas de nada!
Vivo na escuridão, na madrugada,
e muitas vezes dou por mim perdido quase a estourar.
Se tu soubesses que agia assim!
Sou a abelha que procura o seu néctar,
sem ter tempo para parar ou sequer respirar.
Continuo no meu divagar,
na certeza que no fim, há dilemas
e outros poemas que brotarão de mim.
Continuo a rebusca, mergulho na solução,
será que existe clarividência na razão?
Não há filosofia que me valha,
entre fio da navalha.
Repito ágilmente incertezas,
que se sucedem sem que dê conta,
rola a peneira de impurezas,
deste cenário que me afronta!

E por fim,
entrego-me esta noite ao cansaço!
Sustenho o corpo e embriago a lucidez,
beijo a ternura do teu regaço,
e embalo nesse sono carente
ávido e urgente, na confidência que se desfez.

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

ESSA MÃO QUE SUSPENDE



Tens o terror por entre os dedos finos
da indecisão que cultivas sem arado,
porque a terra é frágil e as sementes
mirram como as folhas secas do louro.

Tens o exemplo vivo e marcado
dessa primavera que já se passou,
partiu de braço dado com os armários
de um quotidiano que vinhas mantendo,
género de coordenadas suspensas no aço
desse engenho invisível e tão manipulador.

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ÁLCOOL & A TEORIA DO CAOS






Não vales mais que a minha comiseração,
a réstia vazia de uma lâmpada fundida,
o medo infantil de dormir no escuro
a página vazia do jornal que não se lê.

És a merda toda de uma vida comprometida,
és o fel da castração repugnante imoral,
és o fosso do poço escuro e tenebroso
das lágrimas que finges no meu funeral,
o asco sentido pela gente decente,
o esgoto da cidade que se vem no rio,
o pior orgasmo que recordas pra sempre,
o bolso sonegado, roto e vazio.

És a alegria zarolha do lusco fusco,
presente no palco de um teatro em ruína,
a infelicidade perdida da frase sinistra
do desditoso momento da pega na arena,
a viagem mais curta da vida dos tristes,
o trago derradeiro

do caloiro 'zote. És o copo vazio,
cruel inclemente, inflexão imperfeita,
"má fortuna" erros nossos?

terça-feira, 14 de julho de 2009

« my PET »




Lembro-me perfeitamente do nosso primeiro
encontro. Estavas hospedada por favor,
a tua “senhoria” viajava para os Açores,
e tu ficarias entregue a ti própria,
voltarias a ser a Júlia da rua,
que o sr. Júlio alimentava.

Lembro de me teres pedido para te trazer,
claro que não hesitei, mas conto-te agora
um segredo: não foi o teu olhar que marcou
os pontos necessários no «score» da tua adopção,
até porque, havia já um destino que trabalhara
decisivo para nos cruzar assim:

numa forma tão casual.
Evadiste-te umas quantas vezes,
galguei telhados, chorei doenças,
lograste a tua sorte e a minha
sem nunca perderes a tua pose.

Sei que vais continuar a raspar-me na porta
aos sábados de manhã, que virás a meu
encontro e eu serei o pouso de um peito
entregue às balas no revólver que não usas.

Sei que em cada ronronar teu, mora também
um sentimento puro e cristalino;
um mecanismo automático que accionas
sem querer, nesse teu jeito tão pérfido
de ser felina!

Gosto-te, assim.

«I 'M LISTENING RIGHT NOW»



Mergulho teus olhos adentro
numa profundidade benigna.
Neste «raid» vejo pormenores
novos, pedaços de toda uma
pigmentação parecem variar
com a mudança das estações.

Foco esse olhar que me fala
quase «tête à tête»,
absorvo o âmago dos teus desejos
espalhados na retina
que observo num silêncio
apenas assaltado pelo
balanço das ondas.

Nesta esplanada estamos também
de braço dado com a quietude
do espaço que nos rodeia,
reina uma espécie de brisa juvenil,
quisemos depois conquistar o mundo

a liberdade e o amor.

Juntos, a escassos metros

da húmida areia
compactuamos
numa jura de sangue
sob a decapitação em comunhão
dum pôr do sol que se esvai
agora
laranja arrastado,
típico de verão!
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segunda-feira, 13 de julho de 2009

BREYNER, 1994



Tempos difíceis esses de estudante, vives num quarto dividido
por três, o tempo e o dinheiro não chegam para tudo,
chove durante todo o inverno e, a velha senhoria,
persegue todos os teus passos, dentro dessa mordaça
que é simultâneamente a sua velha casa.
O portão de acesso data de 1873
e nunca se encerra verdadeiramente
chega a pesar toneladas nas noites frias
em que regressas a casa encharcado,
intoxicado em fumos e copos que procuravas
sem razão aparente.

Os dias foram sempre diferentes depois de deixares o n.º 283
da Rua do Breyner, passaste fases obrigatórias,
renasceste quando assim teve que ser e,
hoje aqui estás
numa carapaça mais pesada e calejada
pelos anos que já viveste.
Consciente sim, pelo fardo que ostentas,
igual a ti mesmo, porque apesar de tudo,
revês-te nele, como a um verdadeiro guia.
Aquele que prima por te conduzir numa história
que julgas vir escrevendo simples, até aqui.


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O DIA EM QUE POSEI NU



Inicio mais uma jornada, aparentemente
igual às demais que tenho vivido por estes dias,
os meus segredos não co-habitam neste cenário,
criei por isso, com o passar dos anos,
uma espécie de corrupio escrupuloso,
ao qual vou adicionando uma pitada de egolatria bem temperada.
Viajo rente ao desconhecido, rumando por entre ruas estranhas,
vou fazendo fotografias daquilo que me seduz.
São quase lógicas as emoções,
intensas energias que por mim se cruzam,
e no entanto, tudo não passa de um dia casual.
Nada me faz perder o sentido,
a minha orientação encontra-se
em plena ascensão quase telepática,
o tempo corre,
como se as horas e os minutos
tivessem contas a ajustar entre si.
O dia é longo e cansativo o calor angustia-me,
mas tal como o cachorro obediente
que reconhece a seu dono,
farejo o caminho de regresso a casa,
um retorno quase infantil ao estojo imperfeito, mas meu,
respiro por fim o oxigénio que julgo ser minha pertença,
assenhora-se de mim o desejo de posar em corpo nu
para essa fotografia voyeur, num silêncio comungado
por quem não me conhece.

Ao sentir este arrimo quase companheiro,
posso (por fim) dispensar a sentinela
subalterna do comprimento do dever,
desato o nó do "tem que ser",
e caio, como um derrotado já sem máscara
num colchão que me apalpa e reconhece,
me acaricia e sente os calos,
como jamais alguém sentirá por mim.
Pressiono por fim esse interruptor mágico
e embalo nessa aventura que não me devolve os sonhos,
mas que me inunda, no seu oceano de imagens.


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domingo, 12 de julho de 2009

« COFFEE & THE DAY LOST »



Adoro o primeiro café do dia.
Aquele que tomo quando saio de casa em busca dele...
Adoro que esse café se faça acompanhar por um pastel de nata,
ligeiramente empoeirado de canela.
Primeiro recebo e adoço o café e depois sim, é a altura
da iguaria seguir o seu caminho.

Deixo o café e entro na cidade que está em fim de semana,
encontro-a assim, mais serena que o habitual.
Os espaços revelam-se mais silenciosos agora,
a cidade está prestes a revelar certos segredos,
que partilha apenas com a noite.
Sobressaem outros sons que normalmente não são audíveis
pelo reboliço habitual de um dia corrente.

Há gatos de rua, que são alimentados por pequenos nacos
de carne que certa alma caridosa oferece
(assiste depois ao repasto do felino
não vá um qualquer cão arruaceiro empertigar
aquele momento que ela deseja ser de paz.
Compreendo e aceito seu regozijo).

As pessoas descem nitidamente das habituais
45 rotações de grafonola para as 33 com adaptador.
Os carros movimentam-se lentamente,
fazem já os habituais treinos de qualificação
para amanhã que é domingo.
Ao domingo, "domingueiro" que se preze,
não falta ao habitual passeio de vaidosos, junto ao mar.
Enerva-me essa procissão de carros, não tenho paciência
para me fazer transportar por entre essa gente,
uma espécie de passeio da fama em tapete negro,
tipo concurso de beleza sem pontuação nem vencedor.

Sunday
Dia da semana que realmente não me diz nada…
Esperei até agora pela tua mensagem que não chegou,
decidi por isso recostar-me no sofá e esperar
pacientemente por mais um dia igual,
a esses dias em que normalmente,
opto por tomar o meu café solo, em casa.


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sábado, 11 de julho de 2009

« BARCELÓ TRIP »



Barcelona, 1:43 da madrugada, o teu voo beijou finalmente
o asfalto desejado, sais do avião a correr em busca da bagagem
que trazes contigo, sentes-te cansado,
apesar da viagem não ter sido de facto longa,
fatigou-te a espera de mais de 3 horas
pela ligação que tardou em chegar a Barajas, Madrid.

Focas-te nos próximos passos, sair do aeroporto,
encontrar o transporte que te levará ao hotel combinado.
Tudo parece deixar de fazer sentido na tua cabeça,
quando estás centrado em determinado objectivo
que desejas saciar, sendo tal a inquietude da ansiedade
dentro de ti, que me faz crer existirem
milhares de congestionamentos de adrenalina
essa mesma substância orgânica vasoconstritora.
Apesar de toda a inquietude,

o espírito que vives é nitidamente equilibrado
em emoções pautadas por uma "boa onda" proporcionada

pela aventura espontânea e desejada.

Uma vez mergulhado na cidade,

respira-la, sente-la como se fosse tua
desde o primeiro dia em que

pisaste este mundo nesta encarnação.
Barceló também te sorri,
acolhe-te e aprofilha-te.
Tu não és mais do que um dos seus enteados,
comungando aquilo que sentes com milhares de outros
rivais apaixonados, por um amor casto e vádio.

Tens afinal a imensa sensação de ser
um cidadão não apenas de uma península,
mas um europeu, um ser que se sente ser pertença afinal,

de todo o espaço que engloba vida inteligente...

O mais curioso foi o teu regresso,
os teus olhos brilham como nunca
e repetes invariavelmente que hás-de regressar.

Sorrimos o caminho todo de regresso a casa...
Interessante neste epílogo é a noção da realidade

que afinal te assola desde o primeiro minuto
em que pisas de novo o teu território,
voltando a encetar esforços para te adaptares
à engrenagem de um país que se movimenta
de forma tão diferente afinal... Talvez nunca deixe de ser
o centro nevrálgico, a base oficial de onde emites radiações,
vibrações e sentimentos, uma imensidão de ondas tal,

que nos ultrapassa numa dimensão no mínimo prodigiosa...


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BISTURI DO AMOR


Apanhas o metro sem saberes ainda em que estação vais sair,
sem saberes igualmente se consegues
seguir este percurso até ao final do troço.
Foges dessa angústia que acaba de te esventrar,
a incisão milimétrica desse bisturi chamado amor.

Cais em ti sem piedade, culpas-te desta espécie de saga
que te tem perseguido, como a tua própria sombra.
Olhas para a realidade que te acompanha desde sempre
e hoje, apenas hoje, não consegues ver nada à tua volta,
tudo é baço e inconsolavelmente triste, apesar do dia de sol,

que de fora da carruagem brilha.
Há pessoas que te observam como que, por piedade,
e tu, não consegues fazer o disfarce desse
turbilhão de ideias que te trespassam.
Sabes que não existem maquilhagens possíveis
que escondam esses sentimentos.
Tentas uma e outra vez rever o filme,
ecoam em ti, essas últimas palavras
proferidas por esse “tipo”
a quem julgas estar amarrada de amor.

Nada e ninguém conseguirá demover
essa ideia deste ter sido o último episódio,
o derradeiro encontro o desfecho e estucada final
dessa novela triste que se arrastava sem nexo.
Sais na próxima estação.
Decides caminhar um pouco pelas ruas da cidade
na tentativa de aclarar ideias, a vida não está fácil para ti,
alguém em casa perdeu o emprego,
a tua avó está prestes a dar as últimas braçadas
neste oceano que é a vida, e tu,
sentes-te incomensuravelmente só.
Num banco de um jardim público
ao final da tarde, despertas uma brisa que agora percorre
os teus cabelos longos ligeiramente ondulados e muito negros,
começas a reagir lentamente,
submergindo desse lodo que te envolve e domina a existência...
Queres reagir, precisas recompor-te
do abalo sísmico que te apanhou
de costas voltadas.

Bastaram apenas quatro meses, mudas radicalmente,
viras a página e podes agora observar mundo,
notas que afinal os teus cabelos longos e escuros
são como um chamariz, que joga a teu favor.
A tua avó já “foi”, vítima de um tumor que a castigava
há alguns anos.
O ambiente em casa é agora desanuviado,
apesar de tudo e todos continuarem iguais a si próprios,
tens agora um novo alento
causado por esse entusiasmante fenómeno
a que chamamos de paixão.

Nada poderá atestar que esta será
finalmente "aquela" escolha... Aceitas, mais uma vez
esse vago risco que já se aflora e sente na tua pele...
Beija-te uma nova motivação com que respiras
e reaprendes a sobreviver…

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DOR DE PARTIDA



Cefaleias tontas, empecilham a carcaça
são meras dores que se esvaem na fumaça
comboio que outrora tantas vezes vi passar…

Partem sem destino nem hora exacta,
tal como as aves em bando,
sentem a voz de comando
que lhes ordena em vivo tom
a chegada da sua debandada.

Gentes como tu crêem que é fácil
ter a vida desordenada
acordar e não sentir nada,
ter a alma vazia de encantos
sem choros perdidos pelos cantos,
de uma casa…
Também ela vazia
tamanha é a razia,
dessas doidas dores que se sentem…

Fecho os olhos e vejo,
os momentos felizes
e aqueles lugares encantados,
que em tempos nos deixaram pasmados
de tão esplendorosa presença!

Quero agora partir,
deixar este lugar e ir
ao encontro desse palpitar
viver no mundo, em outro lugar,
sem ter estas dores,
cravadas em mim…


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NO PAÍS DA ETERNA CRISE



“Vêm aí tempos difíceis”, diz dona Cândida
(funcionária antiga lá da escola com pelo menos
duas dezenas de anos de labuta)
no seu tom de voz de certeza absoluta.
Com efeito, é muito acertada a sua análise.
Os dias são sempre difíceis dependendo sempre
das circunstâncias claro está.
Mas façamos a inevitável pergunta:
- Já vivemos dias melhores?

Tudo é, e será sempre questionável,

dependendo sempre da perspectiva
de cada “artista”, na sua singularidade.
E não havendo duas por três,
e porque na China se comem gatos...
Cada crise com seu par se faz favor,
pois neste assunto das crises,
perdoem-me amigos,
mas eu fico com a minha crise e cada um de vocês
que fique com a sua (de preferência) 

bem guardadinha na dispensa,
onde a guardais certa e religiosamente

quando chegais a casa vindos da guerra
que travais em vossos estranhos empregos.

Crise?
Crise é a fome em África,

será sempre o pior cenário,
do que qualquer um dos vossos
casos insignificantes.
Que raio me quereis mostrar?
Crise, é ter dinheiro e não saber onde gastar,
e conheço tanto pacóvio que assim é!
Pois, isso das nozes e dos dentes,
será sempre uma questão de dentistas...
É essa a razão da sua existência,
da minha, da vossa, da de todos nós.
- A crise? Somos todos nós!
Enfim, somos uns “encrenca’ dos”,
uns lamúrias que gostam de fados, de tainadas,
noitadas, futebol e namoradas,
telemóveis com ofertas de chamadas!
Somos reis da alegria barata, dos festivais de verão,
de artístas da cassete pirata,

dos zés de bigode e garrafão,
das meninas bonitas dos bares e esplanadas…
E desentendimentos que acabam às chapadas...

A crise é e há-de ser sempre
como a velha história do copo,
que se encontra meado,
alguns dirão que está “meio cheio”,
para outros será sempre “meio acabado”!

- Estamos em crise…
(E assim nos iremos manter).


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sexta-feira, 10 de julho de 2009

INCONVENIÊNCIA, CONVENIENTE




A inconveniência de ser conveniente,
cabe a alguns como o próprio sapato
no pé da famosa Cinderela,

a maravilhosa fábula só possível
de imaginar em mentes de gente pequenota,
infantil, que assiste ao desenrolar de toda a tramóia
com a maior das tranquilidades,
aceitando a tese como única e válida,
sem nunca perderem tempo para sequer questionar

ou querer perceber se haveria ou não outro pé,
onde calçar o fatídico sapato perdido…

Afinal, aí reside todo o sumo ou busílis da questão.
Cepticismos? Esse é um mundo de adultos!
Bom, mas isto também não virá ao caso
pois não é o cerne daquilo que tenho a dizer...

Vivemos numa espécie de guerra interna,

digladiamo-nos ciclicamente com o efeito mordaz
da mania da perseguição...
(Nunca pretendi ser perfeito,
nunca o fui e jamais o serei!)

Mas a mordaça que nos castra (a alguns),
o medo que nos inibe de sermos eventualmente
inconvenientes, assa-nos sem tempero,

moí-nos o estômago já queimado,
revira-nos o corpo do avesso,

faz-nos penar tipo um cão vadio,
numa condição que no fundo

percepcionamos como patética e paranóica.

Conhecemos no entanto, quem não distinga em seus intentos

a ambígua inconveniência de ser,
autênticos desbaratados linguísticos,
debitam demasiado léxico por minuto,

sem auscultarem a sua personagem,
o seu verdadeiro papel nesta vida...
É-lhes a pele e o pelo da sua
inconveniência conveniente,
doutra forma não conseguem absolutamente
pregar, ser ou mendigar
as poucas migalhas,
que lhes cabem por direito.

Sei que mesmo receando o exemplo

de tais figuras, posso, no entanto,
eu ser o bicho mais inconveniente de todos
para os outros que me avaliam,
por isso, o ser inconveniente,

estará sempre dependente
da óptica do maestro,

aquele amigo que tem a batuta na mão…

Na impossibilidade real de existires

em conformidade com uma sociedade justa,
de livre acesso a direitos deveres e garantias dos cidadãos Europeus...

Sr. Karl Marx, perdoe-me o obséquio
de o informar que afinal:
- Você estava redondamente enganado
na sua utopia da alienação!
Se outrora a fé e religião foram ópios
de um povo triste, pobre e inculto,
hoje assistimos a quê?

Hoje, talvez você dissesse:


"- A bola (e os 22 milionários que correm atrás dela)
é quem mais “cega” a mente popular!"

Mas o melhor mesmo, depois de lançado o mote...
É dizer não! Basta!
Não, porque essas milhentas mangas,
são afilhadas dos milhares de panos que as aprofilham...

Por outro lado, existe o real risco de eu próprio começar a pisar
essa linha de fronteira, que delimita a inconveniência.

Ou não?

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QUARENTA E QUATRO




Porquê o quarenta e quatro?

Nasceu não me lembro bem quando,
não sei situar de todo a sua data de nascimento,
não sei explicar bem ao certo o ponto essencial da questão,
não mo perguntes por favor!

Na verdade não sei bem por onde e como
deva começar esta retórica...

A única coisa que sei, é que me condiciona
a modos que me faz tentar decifrar
cada significado, de cada uma

das suas aparições.

Para mim é plena sorte vê-los, uma superstição,
um misticismo qualquer,

um estranha cena inexplicável,
que me faz (por mero exemplo)

acordar numa outra dimensão,
noutra disposição
que me anima ao ponto de ensaiar
uma qualquer música no chuveiro que me iça
em seus guindastes de água morna
pela manhã, corpo adentro.

Talvez tenha eu encontrado a morte, em 1944
sei lá de que lado da barricada dessa guerra
desalmada, que tantos miolos esmiuçou…
Desconfio até que, talvez numa outra vida,
tenha eu tido a infelicidade de sucumbir
na U.S. Route 44, numa colisão frontal…
Tenho vontade de fazer

uma dessas viagens ao passado
a que vulgarmente chamam de regressão,
então, julgo que finalmente poderei
entender esta minha obsessão
por estes dois dígitos…


Aparecem e desaparecem em segundos

no contador de quilómetros do carro,
no relógio automático do despertador
da mesinha de cabeceira…
Qualquer momento é válido para ver o 44

e depois de o ver, só eu sei aquilo
que me trespassa por entre sinapses
que mergulham até ao tutano da imaginação...

Não me perguntem o porquê, pois a resposta
poderá jamais fazer sentido, e a própria pergunta poderá
também ser uma mera intrujona
metediça, alcoviteira que espiolha na vida alheia.

Encontro na gaveta memorial
do meu córtex central, as palavras
sábias da avó “Mami
(minha eterna segunda mãe!):
“- De sábio e louco, todos nós temos um pouco!”
Talvez avó, não seja tão sábio assim, mas a minha
dose substancial de loucura, fica aqui bem expressa,
não há nada a esconder, se tal fanatismo
exacerbado é demonstrado desta forma vil
sem artificialismos ou subterfúgios.

Ter amor por dois dígitos pode ser
a maior estupidez jamais dita, ou escrita,
o seu significado só a mim importa,
a sorte, a esperança, a dádiva
que deles espero, na verdade

é algo que não sei bem explicar…

Talvez num dia sem nevoeiro possa eu saber,
e aí eu juro que escrevo algo acerca de,
mesmo sabendo que corro o sério risco
de não me fazer entender
a mim próprio…



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quinta-feira, 9 de julho de 2009

O "ÉDEN", POR UNS SEGUNDOS...
















… o naipe de trunfo é paus,
o ás sem misericórdia tenta assaltar
uma bisca aflita, que certamente cairá
no decorrer da jogada encetada.

Faz-se transportar desde
o alto da mão de um reformado,
que se prepara para bater na mesa
afincadamente com os nós
dos dedos da mão direita,
num gesto áspero e seco,
em que movimenta sua mão
que já se encontra em supinação,
segurando a carta mais valiosa
das quarenta existentes do baralho,
em apenas dois dedos...
São uma espécie de pinça
que transportam delicadamente
a “menina” até beijar a arena…

Por detrás deles, daquele jardim encantado
inundado de velhotes que ali passam seus dias
de aposentação, há todo um mundo
sórdido e triste que se movimenta…

Vêem-se casas a cair a cada inverno que passa,
com suas janelas cinzentas e tristes,
de cortinados imundos e vazios de dedicação.

Meninas gorduchas e outras
mais feias ainda, estão encostadas nas esquinas,
fazem-se ao mundo da “vida”,
na profissão mais antiga do mundo…
Uma delas observa-me, na esperança de ganhar
parte do seu dia, e eu,
que lhes leio o olhar, não apenas de hoje,
evito por ela passar…

Quando atravesso a estrada, para mudar de passeio,
ouço uma gargalhada alta, seguida de comentários
igualmente feitos em viva voz…
- Caiu, caiu!
A bisca, tal como previsto, cai na esparrela
montada pelo velho reformado,
(que ostenta um chapéu à moda antiga
sem no entanto usar bigode)
naquela mesma mesa pertença
do sórdido espólio do jardim de São Lázaro.

Detenho-me por momentos e observo
in loco a felicidade daquele par
de velhotes, que ri, sem saber bem, o motivo de tal
graça, apagando, por momentos das suas memórias,
as desgraças e azares de toda uma vida
e a triste e miserável reforma que recebem…

Estou certo, que nada naquela tarde
irá mudar aquele olhar vazio e triste que exibem,
quando se fazem transportar
nos autocarros dos "STCP"…

GENTE FELIZ, EM FORMA DE TEMPESTADE




Já passa das duas horas da madrugada,
o trabalho atormenta-a, numa espécie de turbilhão
que cresce com o avançar de cada minuto
em cada segundo…

Aparece e desaparece, do meu campo de visão
à velocidade de um relâmpago,
rivalizando estoicamente

com a intensidade e brilho do Sol!

Move-se pela combustão da ansiedade,
uma enorme vontade de ver
cortada a fita que sempre aparece
no final de todas as corridas
que a vida nos proporciona

(Eu sei que ela sabe, que acredito
naquilo que faz, assim como ela própria sabe
que não pode nem deve falhar…)

“Mulher furacão!”, berrei eu aos céus,
num uivar tão brutal

que a dissuadiu da sua focalização…
Ela olhou-me, de fio a pavio,

esboçou um sorriso breve,
numa espécie de tique nervoso
e sussurrou-me ao ouvido

num timbre de voz
manso e terno:
- Tenho pouco tempo…
Preciso manter-me na dianteira…

E assim foi… Nada mais afiançou!
Seguiu seu caminho sem permitir
que os seus perseguidores imaginários
conseguissem sequer conjecturar
o odor da sua brevíssima
pausa feita aqui...

Trabalho!
Esse mesmo "amigo" da onça
que nos trará sempre
carretas de impaciências e
outras cenas que tais…

É mesmo!
- Dos fracos não reza a história!


(E tanto evoluiria um país relaxado,
se mais tempestades de felicidade houvesse,

se todos fossemos feitos dessa mesma massa,
que a uns escolhe e a tantos outros tolhe!)


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quarta-feira, 8 de julho de 2009

ALGURES NUM T-3 DÚPLEX...




Desço as escadas do t-3 dúplex num ápice,
entro na cozinha de rompante

com o nítido intuito de saciar a larica,
dando largas à imaginação,

magico essa construção
,
dentro da minha cabeça,

viga a viga, tijolo a tijolo,
inicio assim, a eito
a concretização desta
estúpida
mas desejada empreitada...

Não fosse a louça,
(que repousa na banca,
fazendo-me desviar o olhar,

como se estivesse a evitar
um daqueles questionadores chatos
preenchendo inquéritos

e a paciência a quem passa
na Rua de St.ª Catarina, Porto)

talvez este texto tivesse um sentido diferente.

Tal como um guião de um filme
que só eu vejo e só eu sei,

o quanto é real este tilintar
dentro desta minha cabeça tonta!
(Prossigo...)

Lembrei-me que só as nossas queridas namoradas
e as namoradas dos nossos amigos
não se incomodam com essas arrumações,
ou pelo menos disfarçam bem,
soltam gargalhadas, contam coisas cómicas
emborcam uma ou outra bebida

(em pequenos intervalos)
e fingem assim divertir-se

todas juntas e felizes na cozinha,
enquanto se esmeram

para deixar a dita cuja num brinco!

Escapei para já desse destino, que me espera,
tão certo como o respirar

de um qualquer comum e simples mortal.
Será genético?

Ou uma pré-disposição qualquer?
Não, a sério, digam-me vocês…

Porque raio as mulheres não se incomodam
em lavar a loiça? Estarei eu a reduzir

tamanha tarefa árdua e tão digna
a um mero raciocínio arcaico e machista?

(Sim, eu sei!

Na próxima vez que descer essas escadas,
não terei outro remédio,
que não o de responder à menina dos inquéritos…)

- É a vida... Digo eu...



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QUARTO DE HOTEL



Procuro o cinzeiro,
no qual pretendo aparar a cinza
de um cigarro, mais que desejado.


Por detrás do cortinado,
há uma janela que nos abre a visão
para o imenso jogo de luzes,
ilustrando um cenário magno
algo que a memória grava, milimetricamente.


A noite, abate-se já sobre a cidade
calma e tranquila,
concomitante com o ambiente soft,
que reina no seio destas quatro paredes.


Rolo em boxeurs pelo quarto
de pé desnudado.

Foco-me agora no teu corpo,
delicadamente deitado,
nessa cama em forma de ovo gigante.

Estás despida... de corpo e alma
com os preconceitos,
a servir de travesseiro,
bem atrás das costas…

O cinzeiro roda e vira de mão pra mão,
parece incendiar o quarto
em faíscas estranhas que se sentem
pairar no ar, numa química
simbiótica e freneticamente crescente.

Aproximo-me de ti, fixado nesses lábios
carnudos e doces.
Detenho-me por breves segundos
nesse olhar que me persegue
e observa, a cada movimento…


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terça-feira, 7 de julho de 2009

GUNAS



Costumava acreditar no destino…

Desejei que os sonhos comandassem a vida,
que cenários idílicos subsistissem
mesmo que penosamente
por entre gente quase cega,
autênticas bestas quadradas,
que outra coisa não produzem
senão seus próprios buracos,
onde chafurdam a fuça como porcos.

Esbofeteados vezes sem conta
pela própria vida, alinham sempre
e uma vez mais
como verdadeiros heróis do bairro,
onde os putos mais espertos
já vão deitando a mão
a tudo quanto possam recolher.

Acreditar no que os olhos não vêm,
é um artifício cada vez mais raro e ignóbil até…
Já dizia o “outro”:
- “Vamos indo e vamos vendo…”
Nada mais errado aos meus olhos.
(Neste dia que observo, hoje,
tão fusco e diferente afinal…)

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ENCONTROS, DESENCONTROS



Não estava à espera,
nem tão pouco senti solidão,
mas em cada madrugada,
mil desejos vindos do nada,
invadiam-me o ego
confundiam-me a razão…

Consciência de momentos
que planaram nos instantes,
foram levados por ventos
e seus destinos errantes…
Talvez combata essa ideia vã,
tão inútil e descabida,
que em seus pezinhos de lã
deseja rasgar o rumo da vida…

Não é possível pedir aquilo que não somos,
não conheço jogos de perdas ou glórias,
infrutífero é julgar o contrário,
condicionar ao corpo o seu calvário.

Quero a liberdade dessa sorte,
sem recear aquilo
que na verdade não procuro,
numa viagem sem bagagem,
conduta ou norte,
roleta Russa de emoção forte,
desligo o controle que mora em mim e...
Vou, nas asas desse tempo presente,
que me levará a encontrar-te,
por fim…

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

TAL COMO MEL


Apressa-te por favor, faz-me chegar esse copo
em que molho meus lábios, remordendo-os depois,
para melhor tactear esse travo adocicado,
que me provoca um sorriso instantâneo quase inevitável.

Como queres tu que não festeje essa notícia
dos dias continuarem a ser frescos, e tão iguais por aqui?
Não os festejo! Saboreio apenas a melancolia
deste dia, igual à de tantos outros
já trespassados "plas traças"
que os vão estilhaçando e moendo
como a estes tempos frescos e estranhos daqui...

O vinho está bom, na temperatura ideal
corre ligeiro invadindo-me ao ritmo de um cigarro
que se esfuma em pouco mais de três linhas.

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DIAS MECÂNICOS


Enquanto o corpo se arrasta penosamente
para fora da cama, o cérebro vai iniciando
uma data de “scans” ao disco rígido
que parece estar em “crash”…
A máquina humana vai reagindo a pouco e pouco
com outra desenvoltura,
volvidos que estão alguns minutos...

O dia inicia-se verdadeiramente
quando a chave faz correr a lingueta da ignição,
num beijo súbito mas sentido até às entranhas,
colocando a outra máquina em movimento...
A simbiose entre elas é perfeita,
o caminho automático,
não existem novidades até aqui.

A ansiedade deste dia sente-se no fervilhar do sangue
que corre nas veias, sem ter tempo para titubear…
A resposta, seja ela qual for, há-de chegar,
arrancando depois a reacção humana
que deverá ser tudo menos mecânica...

Ela será sempre vivida intensamente,
como o perfume forte de um charuto
cubano, ressoado no ar, até intoxicar o ego
que desmaia subitamente
por entre os lençóis de cetim…

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