AGOSTO 2010

cafésolo

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

MADRUGADA AFORA



A madrugada pesa-me e eu,
desfaço-me
desde já sobre as horas.
Ainda não regressas
não é o tempo dessa vinda.
Sinto o meu pequeno quarto ou canto
inundado por milhares de feixes de luz.
Gritam-me de fora pra dentro.
Os transeuntes na rua
parecem sentir-se desorientados,
e eu
sigo o sentido de um mesmo
desencontro (assim me parece).
Saio sem que tenha
encontro algum;
vou, quero sentir o cheiro jorrado
pelo mal de um remédio
que tarda
ou não tem mesmo tempo
para se vir.
Quero filtrar as minhas queixas
das outras que ouço lá de fora
(mas que digiro por dentro).
Quero perceber o porquê de estar à frente da razão
a mesma que manchará em pecado
aquilo que não escrevo, nem espero
chegar para mim.
É tarde ou demasiado cedo agora,
para tentar deixar de ver
ou sequer sair imaculado
desde mim.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

UM LIVRO POR ESCREVER



Previstos ou não, estávamos apenas
a um pequeno passo para inaugurar
temas novos, adivinhados antes
numa quase colorida parte incerta
onde ainda não existia tempo algum.

Viajava sem o aviso nem a aspereza
glaciar dos rápidos ventos frios,
como se me entranhasse depois
subcutâneo por entre veias e tendões.
Havia ainda um novo perfil intemporal

o mesmíssimo carácter lúdico e quase interactivo,
mas que tantas vezes acertara eficaz
como aquela pedra de um verão antigo,
combinou o seu destino fortuíto
com a casualidade do sangue
_____________________[numa cabeça rachada.

Havia tanto por reagir, tanto por aplainar.
Mas afinal, que seria feito desse génio?
Onde se esconderia esse desejo alegre
mas tão efémero, como os arraiais de verão?
Eu sabia que de pequenos cenários se tratavam,

talvez existisse ainda uma boa parte
do tempo por descobrir
como se as páginas de um livro
se abrissem pálidas, por escrever.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

[AR]RISCO



Arrisco, sem risco,
sem tomar fôlego ou balanço,
sem olhar a louros ou jarras douradas
dos jardins renascentistas de XVII

arrisco, mesmo sabendo que a carne
apodrece dentro da maturidade.
Arrisco em saber que talvez hoje
seja tarde para olhar o crucifixo
como quem o olha de fora [para dentro].

Arrisco em nada dizer, mesmo que as palavras
se soltem como feras [amestradas]
de uma savana [enjaulada no circo].
Será esta a nossa flâmula dourada
_______________________[secreta
duma mera pequenez de existir?

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

VOLTAS



Reencontrei as estrofes laranja, no meu laranjal.
O frio não faltara ao encontro, tal como o fim
da tarde daquele Janeiro.
O Sol tinha dado lugar à ausência da luz.

Havia voltas que eu queria dar nas coisas,
voltas que a vida me trazia, como marés.
Às tantas, enroscavam-se nos complexos
emaranhados de filamentos extraídos

das mais minúsculas correntes, envoltas
nos fios que esvoaçavam como pensamentos.
Mas eram elas, as voltas, quem mais se dispunham
a arriscar, a furar com o protocolo mais que extinto,

como a lava seca
ou a rocha molhada
pela acidez envolvente
duma espuma branca
que agora não volta
nem respira, jamais.

sábado, 2 de janeiro de 2010

POR QUASE NADA



Mantive-me sempre desperto,
esse foi sempre o meu segredo,
o meu resguardo enquanto atendia
ao teu sono acordado.
Depois dessas nuvens dispersas terem assentado,

tinha eu a plena certeza do quanto eu não era
e do tanto que desejava descobrir em mim.
Palavras e mais palavras, esbarraram depois
na pequenez dum isolamento,

de um encontro fatal, com as notas rítmicas
que resvalavam duma pauta composta
no segredo do meu silêncio. Andar no silêncio,
era para mim um puzzle mais que imperfeito

como o hiper-mercado que nos agonia,
e se constrói submerso em conclusões imperfeitas,
numa rara combinação de caracteres aprendidos,
em momentos surdos que nos permitem respirar.

Tanto ou mais te poderia dizer a ti,
meu leitor imperfeito, que procuras
nas minhas palavras um significado qualquer,
sem que eu veja a obrigatoriedade
de lhe dar sequer sentido algum.

Mas depois de tantas variáveis,
tinha eu apenas algumas certezas:
Manter-me desperto, mesmo que
o teu soporífero fosse tão letal,
que te permitisse fugir das palavras,
trocadas por quase nada.