AGOSTO 2010

cafésolo

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

as pessoas preenchem espaços




As pessoas preenchem espaços.
Como se por obra da sua existência
se nos pudessem emprestar
um pouco daquilo que são.

Preenchem espaços e partilham,
coexistem-se no amor.
Ocupam a parte que lhes pertence
levando consigo um pouco de nós.

E o outono desencaminha-nos
entre sorrisos e abraços
que se não dão.
Por exemplo, no outro dia

imaginei – enquanto mijava –
amigos e o espaço que ocupam
no outono, quando a chuva
regressa e nos limita os corpos

criando lugares vagos
na nossa cabeça ou
dentro dos espaços
que a razão nos vaga.

E enquanto mijava pensei nos versos
e na poesia das pessoas
que ocupam espaços
e fazem parte de nós

daquilo que somos ou julgamos ser
dentro das nossas cabeças. Mas as
pessoas ocupam espaços, não o espaço
físico de uma sala de quatro paredes

mas antes os espaços que partilhamos
na nossa memória:
o espaço que dispomos
dentro da nossa cabeça ou coração.

É assim que os poemas se compõem 
com este vagar de aranha
entre nós que se atam à vida  
como a gente que se enreda por nós.

E é assim que os espaços se preenchem
nas nossas cabeças como se a voz
que trazemos por dentro
fosse um reflexo da nossa loucura

um espaço aberto e coberto de amor 
entre outros espaços, prontos a partilhar.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

alguém já escreveu os versos que falam sobre nós




                                                                                       
                                                                   



Alguém já escreveu os versos
que falam sobre nós.
Sobre o amor que desperta
nos olhos de cada manhã.

Sobre os sonhos e esboços
de uma vida que de repente
se nos atravessa como fogo.

Sobre os afectos que repetimos
no apelo do coração.
Sobre a cama, sobre a casa –
sobre a vida que nos sobrevive.

Sobre ti, sobre nós, houve já

quem escrevesse, mesmo que 
não soubesse que os versos 
eram nossos.

Na verdade, apenas o amor
e o silêncio nos conseguem
circunscrever.

Por isso o poema e toda a poesia
multiplicada por dois.
Por isso a palavra – dividida pelo 
espaço ou limite que nos sobra.

Por isso a mesma forma de dizer
ou o mesmo modo de respirar:
os versos que alguém escreveu:


& que falam sobre nós.  

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

"Erros de cálculo ou outra coisa qualquer", comprar online.



Meu novo livro, agora disponível Online.
[PORTES INTEIRAMENTE GRÁTIS!]
Para comprar siga este link: AQUI.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

On està el límit de la raó?




                                                    Para: quem sabe barceló.



¿dónde está el límite de la razón?
não, não me venho desculpar em castelhano
até porque o titulo, quer dizer, o poema,
foi pensado em catalão.
alguns amigos catalães vivem, como direi:
surrados pela cobiça pulsada de um país.
surrados talvez seja castelhano a mais.
explico: quando alguém por ventura
por herdades de Juan Carlos se aventura
a falar em grandeza, solta-se o mote mais 
que batido: «mira que pareces catalán».
pois, nada, como dizem nuestros hermanos,
retidos que estão nestes rasgos de amor
breve, ou o seu oposto: será desamor?
pouco importa saber, se na verdade
queria verbalizar sobre os limites da razão
(se é que existe, uma e outra coisa) ou 
os desígnios do amor, o seu desencanto:
pronunciado que está já no 14.º verso.
conclusão, gosto de pensar em catalão,
desde o 3º andar, entrada 3.9, n.º 214
da rua engenheiro pedro lacerda.
porque apesar de ter a galiza no peito
é na catalunha que se sostiene mi corazón.
de totes maneres ¿on és el límit de la raó?
pois, o limite não existe, tal como a razão
não existe na firmeza da palavra, nas pessoas
nem nas bocas que a pronunciam: procurando
equilíbrio. sejamos entonces catalães &
castelhanos, claros e equivocados,
porque este epílogo é coisa nenhuma 
e o amor é, afinal, bem mais urgente.

terça-feira, 23 de julho de 2013

sorrir elevadamente




                                                                                         


Despertar, meu amor. 
Para o dia e para 
o mundo. 
Ter a capacidade de sorrir:
elevadamente.

Sentir o tempo que trava
na tua ausência 
& viajar à velo-
cidade da luz
olhos nos olhos.

Se pudéssemos ser
quem somos:
numa outra distância
num outro destino
qualquer:

não morreríamos de medo
nem de outra solidão.

Mas o tempo, este tempo
joga a nosso favor
& vem de mansinho
sobre os nossos ossos
sobre os nossos corpos
cúmplices & tão belos.

Porque toda a beleza
das coisas que nos tocam
tem a capacidade
de nos fascinar:
apaixonar –
absolutamente.

E ao fim do dia:
morrer.
Ansiar pela manhã
que nos reinicia
& torna a sorrir:
elevadamente.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

a minha família



                                                    Para a minha: "Kiki"




Tenho em casa algumas plantas
de estimação e um gato de cultivo.
Trato de regar as plantas sempre
que me lembro, mas lembro-me
sempre antes que me olvide.

O gato, que na verdade é gata, res-
gatei-a – ao abandono –  da crueldade
da rua onde vivia. Somos, por isso, como:
unha na carne, pele com pelo,
ossos e a sensibilidade do corpo.

Cada um, na sua arrumação factual,
ocupa o espaço que lhe compete.
Variamos obviamente, como toda
e qualquer família onde impera
a liberdade de acção e movimento. 

Fizeram-me assim, não sei, gosto de
pensar ou acreditar: sensível.
A minha família de estimação 
(que cultivo) que me desminta:
acaso o poema seja pura ficção.


segunda-feira, 8 de julho de 2013

amor composto



                                                               


Fugimos? 
Perguntei eu num tom:
quase imperceptível à luz do sol
esgueirado à nossa frente.

Havia em ti uma espécie
de urgência concomitante
com o fim da tarde 
e o regresso a um mundo:  

Só Teu.

Um mundo onde não há lugar
a segredos nem planos de fuga.
Um mundo assente no outro mundo,
porquanto teus olhos brilham,
acima de todo e qualquer sol
que agora se nos escapa.

Um dia quiçá: 
fugimos, 
para o imenso azul
de todo o esquecimento.

A alquimia sequaz 
de um amor que 
se multiplica por cada plano 
inclinada-
mente composto:
o desejo do nosso desejo.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

hot heart




                                                            


Esta noite está um calor de África. 
E na verdade, nunca lá estive, a não ser 
através dos livros, reportagens de TV
ou mesmo nos filmes.

Recordo a vez que mais perto estive dessas terras, 
talvez tenha sido Gibraltar ou a ilha de Tenerife, 
que, se bem me lembro nessa altura, 
era igualmente quente, quente como hoje.

No calor da noite acordei. 
A luz começa nesta altura a rasgar 
o ventre quente e materno do dia.

Um dia que se anuncia todo ele: 
africano.

E tu, que não me sais da cabeça?

Pergunto-me: serás tu o Sol 
que está prestes a implodir 
no meu coração?

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Hoje não vos venho falar de amor





Hoje não vos venho falar de amor.
Não consigo falar de um tempo que desliza
ao contrário. Tenho dificuldade em olhar
para trás. Tenho dificuldade em dizer
o quanto fui brusco fugindo de ti.

Poder-se-ia dizer que tivemos (quase) tudo:
- um futuro, uma estrada: a alegria das coisas
simples. Mas havia já um novelo deslaçado a dois
tempos, nas paredes arrítmicas do coração.

Depois calamos a revolta no vazio das palavras,
perdemos o balanço, morremos na rotina. Fomos
até ao cabo do medo, atravessamos a espessura
de dez invernos e chegamos até ao fim de nós.

Não conseguimos atravessar a densidade
do cimento (que fomos construindo), junto
à estrutura assimétrica da indiferença;
E fomos indo no adeus, até ao fim do mundo,
______________________    [até ao fim do amor.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

as tuas mãos: procurando as minhas



que fazias durante o silêncio?
porque te vais
por entre as janelas azuis?
ouvia todo o silêncio
como lume:
as minhas mãos
quentes no teu rosto


e o teu olhar perdido 
no calor das mãos
um mundo que se apaga
em todo o esquecimento
a magia deixada entre as janelas
e o fim da rua nas tuas mãos:
procurando as minhas.


domingo, 9 de junho de 2013

my own skin



Os últimos nativos
da nossa espécie
há muito se foram.
Ficou tarde, noite,dia,
digo:
deixou de existir tempo
e espaço para sobreviver.

Havia sinais de pressa
de amargura e revolta,
o medo aliado à potência
de uma última palavra.

A procura na firmeza da pele:
ou o desequilíbrio
no hesitar do coração,
a decisão acertada:
sem olhar ao modo
como os beijos se perdem
na incerteza da sedução.

Como um amor que se teme
sem querer,
porque se deseja
sem pensar
porque o procuramos
sem prever os defeitos
colaterais desse fogo.

Resistências de uma vida
que não nos representa
e convida a sair do jogo
como se apostássemos
o resto da pele
no resto do tempo
que deixamos de ter.

sábado, 18 de maio de 2013

os meninos correm



Dizem-nos os experientes –
talvez se enganem –
tudo quanto existimos
nos retorna
como se de um ciclo
se tratasse.

Na verdade o conflito
somos  nós, o Homem
e a sua duração
a sua sapiência
ou o vinho que partilha
da mesma taça.

Não me importam as vozes
dos experientes de negro
as suas mágoas
ou desprazer,
importa-me o silêncio
e a paz que nos roubam.

Mas afinal se nos dizem
que tudo nos regressa
numa mesma medida
como conseguem medi-lo afinal?
Pelo prazer do augúrio?
Pela mofina que lhes toca?

Pouco importará saber
caro leitor, porque o inferno
(a existir) também somos nós:
os menos experientes
que embatemos de frente
aos infortúnios dos outros.

E os meninos correm,
fogem para longe das vozes:
procurando silêncios
e o repouso dos erros
procurando crescer:
à luz dos sorrisos.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

toca-me como chuva




Assim vai a vida, mais 
rápida que a sombra
que nos precede
sem que demos conta
do limite que nos guia.

Mas há dias de chuva
mais claros que nós:
esclarecidos pelos dias
densos
entre aguaceiros vagos.

A memória será sempre
o teu melhor perfil
a fotografia mais fiel
daquilo quanto que és
por essas pedras vivas

tão vivas quanto nós
apesar do cinza
que não nos molha
entre a calçada
pisada pelos dias - tão

seguros quanto nós -
que os enfrentamos
estoicamente entre
calor do sangue derr-
amado - como amor.