AGOSTO 2010

cafésolo

sábado, 14 de abril de 2018



EN-VE-LHE-"SER"


Envelheces devagar,
por entre as tuas rugas 
e todas as tuas heranças,
manias de perseguição,
teimosias e cabelos brancos,
num rumo cada vez mais perdido:
no tempo ou no sentido, ou até mesmo, 
porque não, no momento certo para arriscar.
Agora, que já não arriscas mais
do que cair de costas na cama,
no atacar ao sentido dos cordões
de uma vida que, vista deste ângulo,
mais parece ter sido, toda ela,
um perfeito falhanço, digo:
só o açúcar que trazes da infância
revela o maior amor de todos,
desde sempre e para sempre –  
presente por tudo quanto és 
porque de resto, tudo se poderá resumir 
à pólvora seca de um alvo falhado 
por essas caravanas sem sorte 
nem amor ambulante para dar  
há mais de cem anos.

E o que seria de nós sem a poesia,
sem podermos voar no mesmo sentido
dos versos sinuosos que a voz nos traz?


(mpc, inédito, 4/2018)

sábado, 17 de maio de 2014

dentro de nós
















Trago um apelo ou uma espécie
de zumbido que não me larga
desde o inverno. Talvez seja
o silêncio quem mais o estimule.

E se porventura se vai, soçobram
ecos da cidade, sirenes de gente
aflita e outras máquinas que
rasgam o azul frágil dos céus 

como se nos deixassem um rasto, 
um enigma ou um novo destino 
por decifrar.
Sortes diferentes, dirá o leitor.

E o zumbido torna pelo silêncio,
como se fosse um inquilino ou 
um medo instintivo
que aprendemos a ignorar.

Tal como a poesia que não vem.

Porque nem sempre mora aqui.
Melhor dizendo:
nem sempre está disposta a fazer-nos
companhia. Umas vezes, porque simples-

mente se tarda por outros destinos, 
outras vezes, porque simplesmente
adormece: 
dentro de nós.


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

as pessoas preenchem espaços




As pessoas preenchem espaços.
Como se por obra da sua existência
se nos pudessem emprestar
um pouco daquilo que são.

Preenchem espaços e partilham,
coexistem-se no amor.
Ocupam a parte que lhes pertence
levando consigo um pouco de nós.

E o outono desencaminha-nos
entre sorrisos e abraços
que se não dão.
Por exemplo, no outro dia

imaginei – enquanto mijava –
amigos e o espaço que ocupam
no outono, quando a chuva
regressa e nos limita os corpos

criando lugares vagos
na nossa cabeça ou
dentro dos espaços
que a razão nos vaga.

E enquanto mijava pensei nos versos
e na poesia das pessoas
que ocupam espaços
e fazem parte de nós

daquilo que somos ou julgamos ser
dentro das nossas cabeças. Mas as
pessoas ocupam espaços, não o espaço
físico de uma sala de quatro paredes

mas antes os espaços que partilhamos
na nossa memória:
o espaço que dispomos
dentro da nossa cabeça ou coração.

É assim que os poemas se compõem 
com este vagar de aranha
entre nós que se atam à vida  
como a gente que se enreda por nós.

E é assim que os espaços se preenchem
nas nossas cabeças como se a voz
que trazemos por dentro
fosse um reflexo da nossa loucura

um espaço aberto e coberto de amor 
entre outros espaços, prontos a partilhar.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

alguém já escreveu os versos que falam sobre nós




                                                                                       
                                                                   



Alguém já escreveu os versos
que falam sobre nós.
Sobre o amor que desperta
nos olhos de cada manhã.

Sobre os sonhos e esboços
de uma vida que de repente
se nos atravessa como fogo.

Sobre os afectos que repetimos
no apelo do coração.
Sobre a cama, sobre a casa –
sobre a vida que nos sobrevive.

Sobre ti, sobre nós, houve já

quem escrevesse, mesmo que 
não soubesse que os versos 
eram nossos.

Na verdade, apenas o amor
e o silêncio nos conseguem
circunscrever.

Por isso o poema e toda a poesia
multiplicada por dois.
Por isso a palavra – dividida pelo 
espaço ou limite que nos sobra.

Por isso a mesma forma de dizer
ou o mesmo modo de respirar:
os versos que alguém escreveu:


& que falam sobre nós.  

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

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quarta-feira, 31 de julho de 2013

On està el límit de la raó?




                                                    Para: quem sabe barceló.



¿dónde está el límite de la razón?
não, não me venho desculpar em castelhano
até porque o titulo, quer dizer, o poema,
foi pensado em catalão.
alguns amigos catalães vivem, como direi:
surrados pela cobiça pulsada de um país.
surrados talvez seja castelhano a mais.
explico: quando alguém por ventura
por herdades de Juan Carlos se aventura
a falar em grandeza, solta-se o mote mais 
que batido: «mira que pareces catalán».
pois, nada, como dizem nuestros hermanos,
retidos que estão nestes rasgos de amor
breve, ou o seu oposto: será desamor?
pouco importa saber, se na verdade
queria verbalizar sobre os limites da razão
(se é que existe, uma e outra coisa) ou 
os desígnios do amor, o seu desencanto:
pronunciado que está já no 14.º verso.
conclusão, gosto de pensar em catalão,
desde o 3º andar, entrada 3.9, n.º 214
da rua engenheiro pedro lacerda.
porque apesar de ter a galiza no peito
é na catalunha que se sostiene mi corazón.
de totes maneres ¿on és el límit de la raó?
pois, o limite não existe, tal como a razão
não existe na firmeza da palavra, nas pessoas
nem nas bocas que a pronunciam: procurando
equilíbrio. sejamos entonces catalães &
castelhanos, claros e equivocados,
porque este epílogo é coisa nenhuma 
e o amor é, afinal, bem mais urgente.

terça-feira, 23 de julho de 2013

sorrir elevadamente




                                                                                         


Despertar, meu amor. 
Para o dia e para 
o mundo. 
Ter a capacidade de sorrir:
elevadamente.

Sentir o tempo que trava
na tua ausência 
& viajar à velo-
cidade da luz
olhos nos olhos.

Se pudéssemos ser
quem somos:
numa outra distância
num outro destino
qualquer:

não morreríamos de medo
nem de outra solidão.

Mas o tempo, este tempo
joga a nosso favor
& vem de mansinho
sobre os nossos ossos
sobre os nossos corpos
cúmplices & tão belos.

Porque toda a beleza
das coisas que nos tocam
tem a capacidade
de nos fascinar:
apaixonar –
absolutamente.

E ao fim do dia:
morrer.
Ansiar pela manhã
que nos reinicia
& torna a sorrir:
elevadamente.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

a minha família



                                                    Para a minha: "Kiki"




Tenho em casa algumas plantas
de estimação e um gato de cultivo.
Trato de regar as plantas sempre
que me lembro, mas lembro-me
sempre antes que me olvide.

O gato, que na verdade é gata, res-
gatei-a – ao abandono –  da crueldade
da rua onde vivia. Somos, por isso, como:
unha na carne, pele com pelo,
ossos e a sensibilidade do corpo.

Cada um, na sua arrumação factual,
ocupa o espaço que lhe compete.
Variamos obviamente, como toda
e qualquer família onde impera
a liberdade de acção e movimento. 

Fizeram-me assim, não sei, gosto de
pensar ou acreditar: sensível.
A minha família de estimação 
(que cultivo) que me desminta:
acaso o poema seja pura ficção.


segunda-feira, 8 de julho de 2013

amor composto



                                                               


Fugimos? 
Perguntei eu num tom:
quase imperceptível à luz do sol
esgueirado à nossa frente.

Havia em ti uma espécie
de urgência concomitante
com o fim da tarde 
e o regresso a um mundo:  

Só Teu.

Um mundo onde não há lugar
a segredos nem planos de fuga.
Um mundo assente no outro mundo,
porquanto teus olhos brilham,
acima de todo e qualquer sol
que agora se nos escapa.

Um dia quiçá: 
fugimos, 
para o imenso azul
de todo o esquecimento.

A alquimia sequaz 
de um amor que 
se multiplica por cada plano 
inclinada-
mente composto:
o desejo do nosso desejo.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

hot heart




                                                            


Esta noite está um calor de África. 
E na verdade, nunca lá estive, a não ser 
através dos livros, reportagens de TV
ou mesmo nos filmes.

Recordo a vez que mais perto estive dessas terras, 
talvez tenha sido Gibraltar ou a ilha de Tenerife, 
que, se bem me lembro nessa altura, 
era igualmente quente, quente como hoje.

No calor da noite acordei. 
A luz começa nesta altura a rasgar 
o ventre quente e materno do dia.

Um dia que se anuncia todo ele: 
africano.

E tu, que não me sais da cabeça?

Pergunto-me: serás tu o Sol 
que está prestes a implodir 
no meu coração?