AGOSTO 2010

cafésolo

domingo, 30 de agosto de 2009

A VOZ QUE ME PRENDE


(a meus seguidores, leitores e amigos)

Aceito esse juízo que desconhece,
a almofada em que durmo
a mesa onde como.

Compreendo essa luz, que morre sob o azul,
como a lâmina que desfaz no rosto,
o germinado negro da barba.

Acolho o retorno produzido pela voz,
nessa carta que chega pela mão crestada,
como raios que pulsam num trigo maduro.

Desafio o rebusco inquieto das palavras,
como um rijo abrigo que é edificado,
nas asas agitadas de uma ave diligente.

Morro também em cada instante,
em cada poema que escrevo (por ser
inevitável a marcha de um eu,


que cresce e vive, sentindo como tu.)


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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

GELO DAS SOMBRAS



Os nós atam-me os dedos doridos das mãos,
numa dor que se estende em diversos sentidos,
noutras direcções, como um vulto surgido do nada,
numa qualquer janela de sombra.

O corpo ressente-se das quedas vividas,
dos episódios divididos a dois,
dos momentos que se ficam pelas entrelinhas.
Para trás, apenas o registo sobrevive,

como o hipotético erro que tanto seduz,
na distancia que o move entre o norte e o sul.
A lei não respira, nessa mesa disposta pela razão,
escapa trôpega na crença obstinada, por um

vinho casto, nascido de um nervo humano
puro, como a ingenuidade livre de uma criança.
A dor não subsiste no inchaço físico do momento,
no gelo mecânico que paralisa


------------------a eternidade vazia, do querer estar só.


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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

FUMAÇA



Na aparente quietude visível,
sussurram certas vozes incertas,
numa qualquer esquina de vento,
apagam-se no instante, no agora.
No ar, pairam as cinzas resultantes
dessa lenta conflagração humana,
tatuando nos muros da cidade,
uma estranha e rara combinação.

Da varanda traço a lápis o limite, nessa
linha imperfeita, trémula e hesitante,
antevejo lá fora um mundo,
que também morre devagar.
Um punhado de nada, lançado assim,
na gasosa camada, nessa capa
que esconde, sem tapar,
um copo despojado de ilusão.

Piso este chão, queimando
no cigarro aceso, o círio dos
sinais de fumo baço, na utopia
que prende, a atenção solta
de um verso, despido.
Do outro lado, outros muros
límpidos, vazios de ti,
também não sabem disparar,


-------------------tamanho fel.


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sábado, 22 de agosto de 2009

ESSE CAMINHO TÃO PRESENTE



O céu era o limite, naquelas manhãs e tardes 
de primos passadas no monte. Construímos parte 
da nossa abundante personalidade pueril num mundo
governado por paus, pedras e outros bordões de apoio.
Por entre caminhos de terra alegremente batida
repusemos certos guerreiros, de várias raças, 
que por ali teriam avançado numa marcha branca e triunfal. 
Aquela ficção que juntos consertávamos mentalmente,
expunha-se depois em pequenos diálogos que pairavam 
como o ar fresco da serra, junto das nossas cabeças. 
Era a nossa forma de desbravar um mundo, montanha acima, 
mais um idear cintilante de outras coisas, que rebentavam 
na fertilidade da nossa imaginação. Vestíamos a pele 
dos animais indefesos, vislumbrávamos o terror na fotografia 
de um lobo sorrateiro que deambulava por entre as inolvidáveis 
giestas, amarelas e verdes. Das mais toscas pedras e ossadas 
que se nos atravessavam ao caminho, inventávamos fósseis 
devidamente estilizados, que depois deixávamos pra trás.

Ao fim da tarde porém, todo o enredo desvanecia, 
pousávamos terreno firme sob a protecção fresca 
daquela velha e portentosa ramada nas traseiras da casa. 
Essa cepa exânime agoniza agora a rápido retalho.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A CASA, JÁ NÃO RESPIRA



Recordo da infância, aquelas manhãs quentes, de verões
bem passados em casa da avó paterna. O sono era leve,
fazia-se interromper por um qualquer motivo exterior à casa.
De um longo corredor, sobressaíam as velhas tábuas
enegrecidas e muito bem polidas no brilho do verniz.
Pequenos estalidos mágicos, reflectiam o percurso
de um aproximar que se adivinhava a cada manhã.
O «Fisto» (um gato negro de olhos amarelos torrados),
repetia aquele ritual sempre

--------------------------------que a avó abria a porta dos fundos.
Era uma espécie de despertador não oficial, um companheiro
que me procurava desinteressadamente, talvez instruído
pela própria necessidade de matar a solidão.
Trepava invariavelmente para cima da cama, passando depois,
a sua língua áspera de encontro ao meu rosto,
numa espécie de saudação matinal, que anunciava a sua afeição.
Aquele acordar, era um genuíno molde de um quadro feliz
que se encaixava por excelência, naquelas férias gordas de verão.


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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

CLAUSURA DOS DIAS



Do lamento, apenas subsiste a pequenez dissimulada
que se cessa na matéria. Sabes que o acaso não sobrevive,
quando uma mãe urgente, acorre ao primeiro sinal
chorado do seu rebento, na infinita madrugada.

Instigas a tua origem numa permuta deturpada e cáustica,
a mesma com que serves a ti próprio uma refeição rápida,
acompanhada por um triste copo de vinho frio,
honrando a lamúria e a sede da tua própria sombra.

Preferes aprofundar o desacerto do teu dia,
sem questionar o coito interrompido na porta que se abriu,
permitindo que essa luz indesejada penetrasse em ti.
As músicas, soam agora à fome que não alimenta vísceras

desidratadas, pela mácula de uma lembrança ausente,
daquela morada indivisível que dissipa os vocábulos
entornados, numa imensidão caliginosa de esgotos.
(O teu dia, poderá não ter sido o mais portentoso de todos,

mas ficará para sempre perpetuado,
como um escarmento probo,
de querer e poder!)


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terça-feira, 18 de agosto de 2009

UMA VIDA INTEIRA



Desafias a vida na lateralidade das faixas que te seguem,
espetas talas em cada emoção que publicas de sentimentos
viciados no nada. Berras no vazio sem que alguém te ouça,
tamanho e bizarro é esse canto enegrecido,

pela vitimização constante que usas desde a puberdade.
Esse teu papel avelhentado e penoso está esgotado
para mim, sinto-te e não te sinto, amo-te e repudio-te
numa dicotomia atroz que aprendi a destilar.

Sei que nada poderá mudar o teu julgar plangente.
As tuas «sentenças» permanecerão erróneas numa espécie
de fuga à «jurisprudência» que desconheces.
Gostava que acordasses, dessa imobilidade entorpecida

pelas desavindas sinapses que vão martelando
uma calçada edificada pela engenharia imperfeita.
[O fundo do poço é o teu próximo degrau, a água pura e genuína
é uma réstia triste que lobrigo, mas não lamento.

O lodo espera-te, para depois te abraçar sem desdém.
Talvez o medo isolado que sentes não te ajude por ora,
preferes rodar num desnorteado mundo de ilusões
que reconheces ser o teu rumo inacabado.

A tua cisma será sempre o teu maior refúgio,
reversado no teu pior aliado. Procurarás os braços,
que outrora afagaram inquietações dessa fragilidade
banhada em fantasiavas, nesse inferno tangente,

que existiu e subsiste, apenas pra ti.


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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

« FOUR DAYS »


4 dias.

A janela revela ao olhar a diferente focagem
que muda de tonalidade a cada movimento,
a porta, abre-se para uma casa submersa no pó
das memórias, envolta na cinza dos objectos impávidos e rijos.

O tempo, é o mesmo tempo que deixou de o ser
nos segundos que se seguiram depois.
O sorriso, revolta-se subitamente e fala sobre um telhado
por onde trespassam novas radiações ultravioletas.

A pele cheira a maresia, trás um nevoeiro que apesar de latente,
se exprime num léxico desprendido pelo desejo do teu desejo.
No regresso dessa orquestra que tantas vezes imaginaste ressoar,
vives a angustia que se perde na inocência da tua entrega.

A tua perspectiva, cortou a direito os tecidos que envolviam a carne
cansada da solidão dos dias. O diálogo que aprofundas cara a cara,
faz todo o sentido e encarrila sem sobressaltos nem furos moucos.
Renasces lírica e literalmente, de um sono que se afundava

sem tempo nem provimento que pudesses adivinhar pior.
Sabes por fim, que voltas a existir de novo, para alguém
que te cheira, lambe e deseja,
incondicionalmente.

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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

EMBARQUE (QUASE) INCERTO



Encontro-me com o teu remoinho de vento,
planando nas incertezas que agitam o teu olhar
feito refém das agruras que lhe tingem o brilho.
À minha frente, visiono o lustro de um paquete prestes a abalar,
aqui, não me parece que tenhas percebido a lição desavinda
das tuas pretensões, que se julgam tão simples afinal.

Um dia, perceberás que é impossível contrariar o curso deste rio,
estarás ciente que nada é mais importante que a tua conversão.
Enquanto dormitares por entre as esquivas veredas do ego,
jamais terás o controle do teu principal desígnio.

Saí angustiado desse encontro,
submergindo diante de um mar
que oscila de forma tão incerta,
na agilidade das minhas braçadas.

Resta-me o consolo (afinal) dos 3 livros de poemas que comprei
naquela feira do livro, achada quase ao acaso,
imaginando que também tu os queiras ler,
absorvendo a poesia que te acompanha, integralmente.

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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

ESTA SOMBRA QUE NOS ACOLHE




Travessia a sul, em busca desse espaço encantado,
onde as árvores choram em forma de folhas.
Fazem-se notar esporadicamente, arriscando-se
por entre os olhares cúmplices de um apetite que nos liga.

A nossa conexão não é deste tempo, nem pertence a este mundo,
a emoção sentida esparge-se num vibrar difuso de ecos
de incontornável frenesim, que se vai arreigando para lá
da constelação quente que os acompanha.

Afinal, os gritos escritos nas palavras que trocamos
não eram meros troncos ocos, o lume mantém-se aceso
e tão quente afinal, como ventos secos desse longo deserto,
que jaz no pretenso pretérito perfeito do tempo.

Novas barreiras hão-de crescer, tal como as chuvas de Abril,
num despertar de novos e velhos monstros
que apenas nós teremos o ensejo de reconhecer,
como o castanho ocre inevitável,

com que se maquilha um Outono.

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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

« LA REVANCHA DEL TANGO »



«Vuelvo al sur”
Gotan Project

Tudo parece ganhar uma nova forma,
no marcante e vigoroso Agosto que nos atravessa.
A peça musical que nos ronda é suave,
o calor que se sente, serve de apanágio
na aparente metamorfose instantânea.

No teu rosto, leio uma narrativa tumultuosa,
o tempo, quer vencer o avanço dos ponteiros,
a voz, apela ao impetuoso mundo imaginário,
de um destino desbotado nas fotografias.

Na segurança de um tango imprimem-se os passos,
que se querem a dois tempos no auge dos teus.
«o tango é um pensamento triste que se deve dançar»
é o movimento que nos une, na dimensão ímpar que se encerra,

no seio do teu mistério.


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sábado, 8 de agosto de 2009

APAGÃO


Sabias que não era a tragédia, mas o próprio elenco
que convidaste a sair nessa noite. Por entre as nuvens
cinzentas dos frenéticos cigarros e o dourado do malte,
foste despedaçando o gelo e o medo de cair só.

Ajoelhaste-te impenitente aos pés da gravilha
que te beijou de forma tão imperfeita.
As luzes e as pessoas extinguiram-se no som das coisas,
ofuscaram-se sob uma forma que desentendes
ou tampouco sabes traduzir.

Afinal, perpetuas a tua ignorância
na urgência de mais um dia que nasce,
julgas-te encarnado num ser quase imortal,
trespassado que está esse fogo que não sentes,

mas reconheces ser a tua própria pele.

Decides, na estiagem dos dias que te restam,
não arrecadar as imagens desse episódio tão curto
(talvez inglório até) perdoado que está afinal,
pela brandura de quem te distingue
na citerior face límpida, do teu próprio espelho.

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terça-feira, 4 de agosto de 2009

VIÇO



Sentes falta de um olhar que mal conheces,
desse fugaz instante, esvaído e indelicado.
Dos voláteis odores jorrados no corpo,
julgas ter absorvido a composição.
Na lisura estranha e terna da pele,
sobressai o travo doce, que se perpetua
num memorial suspenso e imaginado.
A tua boca sente o encanto da outra boca,

a descoberta arrojada mas sentida das palavras.
Nos contornos do corpo, visualizas o aconchego
nunca ocorrido, o calor jamais sentido,
um sussurrar quente dessa língua suave e matreira.
No desconsolo de um fado, trinado e aflito,
lamentas o abraço, que em tempo algum cresceu,
a contagem asfixiante dessa ocasião que fugiu,
o fim anunciado de um momento breve e retraído.

Pudesses tu imaginar o calor das minhas mãos,
ensaiadas nas tuas, por um mero instante,
no ínfimo acaso, será que me prendias assim?

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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

ORDEM DOS ARACNÍDEOS



Seguimos nessa caminhada em direcção à multidão
ouve-se o rebuliço próprio dos festejos de rua.
Na ladeira a nosso favor, desnorteias a marcha,
invade-te uma vertigem repentina,
a carótida implode,
o fogo de artifício parece vociferar à tua existência.
Cresce em ti uma tensão incontrolável,
auscultas minuciosamente os sinais
emanados num pânico, que só tu sentes.
Os sons distorcem-se, as pessoas enfadam-te,
as luzes em desfoque causam-te agonia.
Ganha forma uma espécie de teia corrosiva,
que emaranhada todo o género de vítimas incautas.

Decides por fim, aceitar a tua frágil condição,
encaras a fatalidade do instante e convences-te
a seguir essa espécie de curso natural
que flui, numa cadência irregular.

O medo aterrador não subsiste no cenário que agora alimentas.
A respiração, regressa paulatinamente à sua marcha habitual,
«a morte (que encaraste de frente, olhos nos olhos,
como a um boi na arena) decidiu não te brindar»
descobres por fim, que nada, mesmo nada, ou pouco
haverá a fazer, quando essa rede de malha fina
te alcançar, verdadeiramente.

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domingo, 2 de agosto de 2009

IMAGEM, A PRETO E BRANCO



Sentado na soleira da porta, procura sentar-se numa
posição de equilíbrio, no desequilibrante mundo
que o obriga a usar o velho cajado. Serve-lhe de amparo,
acompanha-o na sombra dos movimentos,
desde o primeiro susto e queda.
Não estranha por isso a vida nem a etapa que vive.
Nas memórias que comporta d'outros tempos
(de rapaz novo) resta-lhe a nostalgia dos bailaricos
e namoricos com moças de tenra idade, da sua geração.
Vive um dia de cada vez, sabe de onde vem e ao que vai,
não pretende atropelar os dias que lhe restam,
vai apenas degustando cada imagem,
cada cena nova que se lhe depara.

Nada há a mudar no seu defeituoso feitio,
nasceu e cresceu assim, rezingão e teimoso,
fazendo uso do seu bigode grisalho
sempre que a pretexto, valha a pena.
O facto de usar uma bengala tosca, não lhe retira
nem um pouco a pose que ostenta do alto do seu trono.
A sua focagem é seca e ríspida, sem contemplações
para com as gerações que o ultrapassam agora sem sentido.
No alpendre da sua casa, conhece bem aquilo que o espera,
as ilusões não sobrevivem, não é mais enganado pelos sentidos,
sabe que a morte é provavelmente o seu último refúgio,
o único trajecto que iniciou verdadeiramente,
a derradeira escalada que nos toca,
quase sem dar-mos conta.

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sábado, 1 de agosto de 2009

ESTRANHAMENTE SÓ



Ouves a sombra dos teus próprios passos
sentes-te definhar em pequenos estalidos
que se propagam como gotas caídas
na cavidade mais profunda
da imensa descura do teu corpo.

Colam-se-te à pele, como o ar que respiras.
Os teus seios arrepiam, invade-te uma sensação
imensa e crescente de prazer incontornável,
que naturalmente deixas fluir.
No leito a que pertences, dás uma e outra volta,

entrelaças os dedos dos pés por entre os lençóis
e projectas-te nesse inédito reencontro.
Pressentes o folguedo que cresce em ti
sob a forma de emoções e outros arrepios,
talvez mais do que desejados.

A tua privação, tem sido uma longa espera,
o ponto sem nó
no labiríntico desdobrar dos dias,
a descoberta textual dos teus limites,
o enredo com que compõe os contornos

dessa personagem vazia em que habitas
estranhamente só.