AGOSTO 2010

cafésolo

terça-feira, 19 de outubro de 2010

frio

 


Oh não te vou mentir! O ar frio
trespassava-me os dedos rasgados,
orifícios na carne que não sentia.
A janela aberta e eu descalço
a olhar o vazio, o precipício na janela
dos outros. Este lugar não me pertence
tampouco o buraco que me separa
da fronte do resto.   

Oh! Como sinto falta dos nossos
recados escritos. Tínhamos dificuldade
em comunicar, lembras-te?
Uma herança que recebeste, dizem-me,
não sei bem. Sinto a falta desse frio
- longínquo tempo - o teu olhar terno
mas distante como o limite onde
esbarramos sem querer.

A nossa casa tinha um quintal
com flores e uma rara combinação
para amar. Em que nos transformamos?
Quem é este nós afinal? Consigo odiar-te
enquanto te amo, consigo embalar
o desengano de um sono que tarda,
segurar as mãos contra o rosto,
verter-me dentro do vazio em que fomos.

Não te vou mentir,
quero sair do poema agora,
não sou mais eu quem te fala,
sou a voz crua da distância
que nos desprendeu.
Sou um beijo de morte
que me afaga manhã cedo
o rosto mais triste e frio
da tua insónia.

10 comentários:

  1. O frio perturbador da distância conjugado com o calor reconfortante da saudade...Lindo!

    Beijos

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  2. Obrigado amiga pelo comentário.
    Gosto da forma como interpretas aquilo que lês.

    Beijinho

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  3. Arrepio estranho e frio percorre todo o ser, pelo vazio que surge na incapacidade de comunicar o que pensamos, o que sentimos. Gélido fica o coração na incerteza, do amor, na incapacidade olhar olhos nos olhos e ler o que tantas vezes nos querem dizer. Gélida é a noite em que o frio nos consome marcando a distância entre o vazio e a saudade daquele calor que nos afaga nas noites assombradas pela insónia.
    Movidos por este estranho frio, abandonamos o poema no qual gostávamos de permanecer.

    Muito bonito o poema!
    Beijinhos

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  4. Obrigado Isabel! Mais uma vez nos contemplas com um belíssimo comentário! :)

    Beijinhos, obrigado.

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  5. este poema tocou-me profundamente...o frio, a distancia e a ternura no olhar desses seres que tanto me amam, mas que talvez por herança nunca conseguiram demonstrar em afectos o amor que me dedicam...mas sei que quando a dor aperta é lá que eu vou buscar força e paz para continuar a caminhada...agradeço-lhes aquilo que eu hoje sou, os valores que me transmitiram....

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  6. Obrigado pelo comentário; não quer assinar nome?

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  7. Ainda bem que te identificaste Maria!

    Gostei do teu comentário, é sem dúvida genuíno, consegue-se sentir que as palavras mexeram em "pontos" fulcrais da tua vida...

    Beijinho grande.

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  8. Sem quaisquer retóricas presumindo quaisquer presumíveis interpretações, deixo apenas um abraço conterrâneo. ;)

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