AGOSTO 2010

cafésolo

terça-feira, 20 de novembro de 2012

não tenho tempo


















                                                    para o Mário: in memoriam


Não  tenho  tempo
eu agora  o nunca
vulgar
grito dos sentidos
como  o  negrume
intacto
aos olhos da noite
o cobertor aquece
a pressa
e o corpo enrolado
à  razão móbil do 
poema
e o barco que foge
no  futuro do  mar
a espuma
que arde no vinho
denso  das  traças
in memoriam
ao nome no céu 
de alguém
quando
deus
é _um 
chão
sem
t
  e
     r
nem
piedade
(ou futuro)
que  é  coisa
      dos  outros
    {so many one's}
que andam perdidos
             [& eu:
  não tenho tempo.

domingo, 18 de novembro de 2012

o silêncio das sombras




















Sempre que por simples gestos
procurávamos o código
linguístico – falhávamos a ligação.

Tu sabes. Reconheces-te bem
sempre que no agora
ou nunca procuravas a noite

a cabeça no desequilíbrio
das palavras
o todo abismo de uma vida.

Tu que amaste teus filhos
que sentiste
o terror dos últimos beijos 

que foste o capitão dos capitães
sobre a terra que queima
a nudez experimentada dos pés

perdeste a razão e a mente
a longitude da noite
entre o vulto das janelas

e o rumo inverosímil da casa.

Sim, tu foste tudo por quem
todos olharam
por cuidados perdidos 

a vertigem nervus do medo
as mãos frágeis
caídas no abandono do chão. 

Diante os olhos continuava
a rematar desacertos
ou a fobia terrível de amar

como a essa infância perdida-
mente inquieta e tão distante
quanto o silêncio dos olivais. 

domingo, 7 de outubro de 2012

pedaço de outono



















Que verão é este em que vamos
despidos de mudança?

Quem nos traçou este mapa
entre a tinta da china vertida?

Que é feito das vozes que nos
encaminhavam pela escuridão?

Porque se esconde o medo das folhas 
entre o marrom quente da tarde?

Porque avançamos sem abalo
do lugar marcado que temos?

Quem nos responde às dúvidas
desta estação sem tempo?

Onde te escondes, porque
não te avisto por perto?

Onde vamos, quem somos,
porque nos devastam assim
como se fossemos
pedaços de ninguém?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

a casa que era e já não é




A porta da frente sempre aberta, revelando
o bater de uma aldraba que estremece.

As tábuas longas e enegrecidas pelo
tempo, o fulgor de um corredor cuidado-
samente encerado a joelhos. Ao meio:

o cruzamento da porta dos aposentos com a 
da grande cozinha. Ao fundo: uma outra porta
e mais quartos cuidadosamente vigiados pelo

lustre no cobre antigo das caldeiras. Era uma
casa enorme, tão farta quanto a nossa infância.
Havia uma porta nos fundos que se encerrava

quando a luz se perdia e a noite se apossava
dos nossos corpos. Mas era acima de tudo uma 
casa de gatos com nome e de cães com coleira:

“Doggy, Miss, Fisto, Lhau ou Piaui” entre
outros nomes que a memória nos rouba
como a casa que era e já não é mais nada

senão a reminiscência retida pelos versos
e por outras palavras.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

28-03-2012




















                                                 para o meu irmão Mário.




Não fica fácil deixar os nossos para trás.
Uns sobre outros detêm-se na firmeza 
de uma data. Um estranho cômputo
por onde vamos perdendo o balanço.
Levam consigo um pouco de nós, 
uma espécie de memória viva
que comporta o vazio que nos resta.
Retalham-nos – a sangue frio – a parte
que deles nos pertence, sem qualquer tipo
de aviso prévio ou direito a reclamação.

Depois seguimos, fingindo nada ter acontecido.
Como se fosse possível omitir a amputação
de um membro, de um órgão ou de um coração.
A verdade é que não resta fácil a tua ausência.
Lá fora, há um todo abril que chora angustiado,

talvez, paradoxo pareça, por teres obtido
[finalmente?] a paz que sempre ansiaste?
A liberdade que sempre perseguiste?
Ou a vida a que te impuseste?

Agora Mário, pouco importa saber.  
Deixa que se exalte – nem que seja
apenas por hoje – o egoísmo a quem fica, 
e que esse espólio que nos deixas possa viver 
para sempre, nas imagens que ficam 
neste destino sem nome, nesta ferida
                                                           [sem cura.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

o tempo passou, minha irmã
















para a minha irmã, Elsa.


O tempo passou, minha irmã,
e nós, já nos demos conta
de não existirem mais peças
que sirvam aos nossos moldes.

As dores, essas, instalaram-se,
como os anos que nos colhem
apressados «season after season».
Será que ainda sentes o aroma

fresco – da cevada e do trigo –
de uma infância que nos molda?
Talvez os sintas, por certo, no repicar
Fresco da memória como o cansaço dos dias. 

Quanto ao resto:
nada de novo, dois corpos distantes 
acalentar medos que dantes não existiam. 
Como o tempo que urge e não se esquece 

de quem somos ou para onde vamos.
Talvez hoje não estejamos assim tão longe 
dos rostos felizes que emprestávamos 
ao registo mecânico das fotografias.

Passou o tempo, é certo, e nós estamos
vulneráveis como nunca o fomos na casa
da avó «Mami», onde tão cedo aprendemos
o sentido ou o peso da palavra – Amor.