AGOSTO 2010

cafésolo

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

escrito nas rosas




















Há uma voz que se prende
à distância de um caminho breve 
e cada vez mais próximo.

Dizem-nos que toda a existência
é breve e que todos somos a face
de uma mesma distância gasta.

Dizem-nos ainda que nos recordam
pelo brilho com que fomos perdendo
uma certa inocência.

Olho-me de frente para a luz 
para a mesma razão com que ignoro 
a minha própria cara, e rejeito liminar 

modo ou processo de olhar, essa mesma 
distância que não me pertence
tal & qual o escape por inventar.

Pouso no alto da minha caneta
e desfaço-me pelo rosto replicado
no espelho baço. Escrevo e digo

e não digo nada daquilo que porventura
deveria ficar escrito nas rosas. Faço e vou,
consigo e aconteço, da mesma forma

que fria a morte nos serve na espera.
E o leitor para no verso e pensa a morte,
escreveu-se morte desde que existimos,

desde que uma voz em nós se desprendeu.
Desde a distancia gasta ao caminho,
até ao anseio que nos segue indiferente 

do medo ou modo de inexistir. Como se 
toda a nossa verdade ficasse inscrita
junto às rosas. As rosas turvas do fim.

domingo, 23 de janeiro de 2011

memória da pele






















É tua a primeira imagem
que me traz o dia. É esta
a memória por onde «Franz
Schubert» agora irrompe.

Os dedos finos dissipados
num piano plural, no apenso
de outras coisas ou pessoas,
mais ou menos indiferentes:

a «Schubert», ao ritmo que nos
avança ­– mais ou menos perdido –  
entre o toque macio das mãos.  
É esta a sinfonia plural [mente] in–

completa, entregue ao silêncio
que nos ronda entre veias, mil
imagens perdidas no poema –
também ele perdido ­– entre nós

de uma memória intemporal da pele
que avança ­– por cada imagem tua.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

momentos há que

















Momentos há que nos avançam
para um irremediável ou inevitável
tempo que nos resta – desgastado;
como um irremediável & repetido
momento perceptível aos ossos.

Tal como se tivesses adormecido
num final de tarde qualquer e,
acordasses depois irremediável-
mente só, arrefecido em ninguém,
entre o vazio da sala que ocorre.
                                                      
As palavras pesam-te quase tanto
quanto o segredo dessa poção
que se esconde – junto à pressa de
morrer – fora do alcance do cimento
da cidade irremediavelmente vazia.

E há sempre um enorme fundo de verdade
em cada poema; [pese embora: nem tudo 
fique dito] ou há sempre uma verdade que
se oculta inexplicável, pela mesma razão
metafisica de ser  –  & que nos ultrapassa

                                                devagar ?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O dia é teu













                                           


O dia é teu. Aceita-o 
simplesmente. Hoje, porque 
te encontro dentro das palavras 
que trago entre mãos.

Porque te acho
a cada figura que os olhos vêm
pela quietude que se nos escapa
como areia fina entre os dedos.

Porque me dizes
sob a forma mais simples,
a tua forma simples de dizer  
o peso da palavra: 
                                      Amor

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

não sei se sei
















Não sei se sei.
Este rumo ou modo de ser,
a porta fechada na passada
por abrir. Sim, esta difusão
difusa por entre ideias tortas;
são ondas tão turvas
quanto concretas.
De memória curta
mas convexa, longa
mas simplificada,
a divisão ou o lado oposto
ao canto do quarto
que nos sobra encerrar:
[não sei se] – amanhã?

domingo, 2 de janeiro de 2011

caminhar
















                               Para todos os meus leitores & amigos
                              um ano de 2011 feliz.



Caminhar ao abrigo da boleia
do tanto que julgamos ser nosso.
Punhos serrados, posição de combate,
a firme certeza contra a armadura
fria das palavras fáceis dos outros.

Caminhar contra isto, contra aquilo:
caminhar! A certeza pura dessa afirmação
vazia que não se queda em si mesma.
Caminhar, sem deixar morrer as palavras
de quem connosco corre um meio caminho.

Esta espécie de léxico novo que nos
encanta, encaminha ou recomeça
em cada avanço, a cada recuo.
Poder-se-ia dizer, até:
filtrado ao nosso percorrer.