AGOSTO 2010

cafésolo

sábado, 31 de julho de 2010

fado comercial














Da tua voz contra-atacante recordo:
«Eu se for, digo-te alguma coisa.»
Ritmo barítono mais que baixo, rouco,
assim me quis parecer. Aquele recado
parecia querer vigiar-nos dentro dos limites
e representações desencontradas do nosso

próprio futuro. Vivíamos na altura a pele
de uma espécie de papel secundário, o
alumínio mais que forçado e gasto, pelos
flashes psicadélicos no adiantado decrépito
da noite. A música, sim! Sempre tínhamos
a música para nos distrair de coisa alguma.

Depois, extinguimo-nos tal como a noite
no dir-se-á: inevitável carro.
Não convocamos da chuva o frio "romantismo"
que em boa verdade não cabia no teu comercial.
Fácil fácil, foi verificar que ambos precisaríamos
de algo mais robusto do que a química submersa

das palavras. A história, esta história (de final
contrário aquela que nos fomos habituando ver
nos maus filmes), não teve depois ponto por onde
se pudesse cravar nó. Recebi mais tarde algumas
notícias sms tuas, e como foi gratificante a sensação
de te ter precedido, numa tosca ideia de fado.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

aritmético



Calcula como as minhas
janelas se fecham ao verão
e à vida que corre lá fora.
Calcula como me escondo
sem rosto, como este desa-
ssossego branco me in-

quieta, neste meu (in)feliz
anonimato. Calcula ainda
a minha dignidade, fora
das praças e jardins, nos
demais pisos e paredes
que não vejo à luz do dia.

Vou coleccionando livros,
guardo-os debaixo da cama
junto ao cotão, no frenesim
das aranhas. Registo deles
também um pouco de mim,
a cada poema que escrevo.

Calcula-me um pouco agastado
por tudo; mas não o lamentes,
não lamentes quem escreve
sobre as janelas contidas
pelos jardins monocromáticos
vistos apenas pelo lado mais

seguro da noite. Calcula-me
escasso, pela ausência de
alma que promovo em mim.
Vê o que as palavras te querem
dizer e não as tomes como tuas;
calcula-as apenas como a um

desabafo que não faço a mais
ninguém. Considera que me
procuro em cada verso (sem
sentido), que me revejo em
cada linha que escrevo sem
pudor. Percebe esta minha

não-presença (in)feliz, porque
a desejo, não tanto quanto
o silêncio que me envolve.
Deduz por fim, como o meu
todo se resume ao mero
cálculo aritmético, encerrado

________[e simétrico, ao poema.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

vizinhança




Na esplanada onde procuro café na vizinhança,
alguém de idade considerável revela, em género
de fórmula, os itens ou segredos de uma vida
até aos 100. Enuncia o segundo segredo,
pelo que concluo que a conversa já viria longa,
vinda de trás. Fala-se depois (numa rápida passagem)
em cães de raça, fixo: “dobermanns & rottweilers
confesso não perceber tal despropósito, a não ser

pelo ainda inconsolável medo da morte.
São as conversas ou desconversas do costume,
alienados que estão pelo sufoco de quem parece
não ter mais nada a acrescentar na vida, a não ser
o medo que não esconde à noitinha em tom
de desabafo. Acabei por me centrar no resto de café
que ali me levava, matando também o resto do meu
interesse, no resto da passa que me resta no cigarro

_________________________________[por encerrar.

Foco-me ainda, uma última vez na mesa dos vizinhos,
vejo copos de cerveja fino ou imperial, conforme os gostos
modas ou modos de chamamento, dessa ordem que depois
chega ao apeadeiro no balcão. No regresso a casa surge
imediata ideia de escrever tal desinteresse. Temem a morte
mas tentam enganá-la, nos copos que emborcam antes de.

Pois é.

__________E não é que fazem bem?

terça-feira, 27 de julho de 2010

o fim, na afurada



A roupa seca sob um adorno de abandono
vigiado ao sol, uma espécie de jogo entre
paus e pedras e outros sons de outras cordas.
Projectam-se pelas sombras de um balido
quase imperceptível pelo vento.
Nasce a fotografia que os olhos vêem do
momento tão perceptível quanto inusitado.
Ao fundo, a imensidão do que existe de facto.
Aviva-se em nós, essa espécie de verdade efémera,
(gangrenosa até) que nos parece querer assar na pele
o limite da nossa própria inexistência.
Só o mar resiste à evidência dos dias e nós, regressamos
a uma mesma contagem metafísica dum mesmíssimo
disfarce, de um outro resto que nos resta respirar.

domingo, 25 de julho de 2010

do teu azul




Fixa os olhos do espírito
sente-te retida no que ele te diz.
Não lhe ordenes tontearias
sabes onde ele se detém
sem que te inquiete.
Sabes que dele não beberás
nem de deus lhe ouvirás palavras
pela boca seca
entre as pétalas rosa da noite.
Bebe-lhe um pouco de ti também
se dele pretendes saborear
teu trago inverso.
Centra-te nos dedos da tua plangência
ordena-lhe as palavras certas
não deixes que te deixem
morrer no lilás.
Ordena-lhe as cores
abre os olhos à tua fantasia
a mesma que transportas
nos versos que nascem
do teu azul.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

«just played in summer»



Verão à porta, nada a fazer.
Desejos trocados por ânsias retidas
fragmentos dispersos, desazos tidos.
O corpo liberta-se da clausura ida
procura na sombra as gargalhadas, amigos
em esplanadas, conversas e risos espontâneos.
Entregam-se-nos por fidelidades confessas
nos fardos vividos ante um inverno.

Renasce uma espécie de suplício invisível
pelas resistências infusas da pele
entranhas sob a própria carne.
Noites perpetuadas e madrugadas rápidas
e outras caras novas quase extemporâneas.
Nada a dizer sobre o avanço dos dias
sobre o jogo rápido que nos parece usar

____________________ [estranha e repetidamente irregular.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

«flower»



Na volta da rua trago comigo
o travo ácido da língua,
por não saber redigir
a frase inteira do teu nome.

Olho-te num soslaio fraude, rápido,
como se o instante ido
hesitasse olhar-te de frente.
Na volta da rua trago

um punhado de pequenos nada,
um olhar vazio perdido nas montras
que ninguém vê. E perfume que guardei
sem porquê; e olhares desviados por desatenção,

timidez, não sei bem. Trago-te travada
por uma língua solta, numa rua revolta
em letras perdidas entre as sílabas dos bolsos,
misturadas nos trocos que não cheguei a gastar.

domingo, 11 de julho de 2010

sem sabor



A ressaca das palavras
é sempre mais franca
do que a soma dos defeitos
desfiguradamente ditos.

O desafogo aflito de um adeus
sem preço, uma espécie de ânsia
que nunca existiu. Uma música
que se repete na desforra

da sua inabalável rotação.
O silêncio que escutas
dos pássaros, a luz que te abraça
nesta vindoura madrugada [acordada].

O medo inabdicável que julgas
ser teu, acabará dissipado
como água viva de um rio
que certa vez correu pra ti

_______________ [sem sabor.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

manhã bem cedo



Ardem terraços e varandas – fecham-se
as janelas de Julho
aos olhos dos outros – que passam
já alheios na rua.
Há uma razão a mais
para continuar,
um incêndio que se propaga
mecanicamente
dentro da nossa brevidade.
Um enigma que nos ronda
sem sangue
nem outra explicação.
Uma ou outra razão mais
que te incorre observar devagar.
Depois regressas
ao fim da tarde
que se repete
igual a ti;
entre uma e outra razão
que encontras desigual
[para saíres deste jogo
uma e outra vez].

quarta-feira, 7 de julho de 2010

desde ti



Lembras-te daquela tarde?
Dominavas o código
tão abrangente
do monte das libélulas,
das borboletas e sorrisos.
Não consegui deixar de te imaginar,
desde os grãos de areia
em que estava evolvido.
Um livro e poemas de autor
[sobejamente conhecido]
eram a minha única sintonia

__________________ [interrompida;

depois disseste:

“ A serra é tão bonita!
E tu, quase a ser levado pelo vento…”

Foi a mais distinta forma
de perceber que estava só
entre a distância que nos precedia
ante permeia tempestade de areia.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

poemas & beijos




Lembro-me das tardes quentes que passávamos
escondidos sob a sombra das árvores. Os poemas
que desdizíamos gritados, eram absorvidos entre
análises de morfemas indiferentes ao todo resto.
Só os pássaros pareciam querer ouvir-nos curiosos,
e as vezes, eu usava mesmo o truque das suas vozes
para te interromper na fala.

____________________Contava entre cada jogada
com a vontade férrea de te morder suave, possuir-te
entre os dedos e outras fabulações. Esqueci entretanto
_____________________________________ [o poema
que nos levou a um primeiro beijo. Mas hoje também
pouco importa, sabíamos afinal que era tarde para camuflar
nossas divergências entre um desespero juvenil.
Como se de um fardo carregado entre as mãos

__________________________________ [da boca se tratasse.

Era a mais tonta inverdade que na verdade nunca chegaria a ser

_________________ [a nossa paixão.

sábado, 3 de julho de 2010

desnuda-te!



Desejava que me levasses para junto
do amanhecer nos teus olhos - no estertor
mais profundo - a brancura dos lençóis.
A luz magoa-me a cara - presa numa rotina
que se solta - lenta - tão irregular. O vento
que sopra junto ao teu canto - ninho secreto:
- é o mesmo que imaginei - poder observar
desde as finas pernas

___________________ aos mais tranquilos
ossos do ventre. Leva as minhas palavras contigo
apossa-te delas mas escuta-as depois - sente
o carinho de um anjo caído, junto ao rio seco - nosso fervor.
Sente como me magoa a inesperada desavença
dos gritos que não me ouves dizer - cada manhã.
Se pudesses sentir o quanto desejo - tua nudez.
Desnuda-te mulher e fica quieta no amor - bola de fogo.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

por ti, por nós?



Fizeste-me ver pronto naquela manhã
que tardava em chegar junto às janelas.
O futuro do mundo entregue ao desengano
da sorte. Dir-se-ia que tu jamais ousarias
enganar os pálidos prazos, com que nos tinhas
calculado; por ti, por nós? Podia senti-lo a cada
gesto firme, que articulavas na medida precisa
duma mecânica perfeita entre lábios.

Os meus olhos preferiram fugir, para junto
das distracções mais óbvias, como a sombra
dos objectos menos usados noutras fugas.
Eu procurava a verdade em cada investida tua,
e tu, inventariavas um nós que mais parecia inexistir.
Mantinhas a firme convicção num frágil discurso,
que só abrandava interpolado, na mais curta pausa
que usavas para travar aquela sede baça, cada vez
mais extinta; por ti, por nós?